Esta página tem por finalidade colocar à disposição dos meus alunos da Escola Teológica Rev. Celso Lopes textos referentes à matéria título do blog
segunda-feira, 27 de agosto de 2007
Aula 3 - A natureza da inspiração
O primeiro grande elo da cadeia comunicativa "de Deus para nós" chama-se inspiração. Há diversas teorias a respeito da inspiração. Algumas delas não se coadunam com o ensino bíblico sobre o assunto. Nosso propósito, portanto, tem dois aspectos: primeiro, examinar as teorias a respeito da inspiração e, segundo, apurar com a máxima precisão o que está implícito no ensino da Bíblia a respeito de sua própria inspiração.
As várias teorias a respeito da inspiração
Ao longo da história, as teorias a respeito da inspiração da Bíblia têm variado segundo as características essenciais de três movimentos teológicos: a ortodoxia, o modernismo e a neo-ortodoxia. Ainda que essas três perspectivas não se limitem a um único período, suas manifestações primordiais são características de três períodos sucessivos na história da igreja.
Na maior parte dessa história, prevaleceu a visão ortodoxa, a saber: a Bíblia é a Palavra de Deus. Com o surgimento do modernismo, muitas pessoas vieram a crer que a Bíblia meramente contém a Palavra de Deus. Mais recentemente, sob a influência do existencialismo contemporâneo, os teólogos neo-ortodoxos têm ensinado que a Bíblia torna-se a Palavra de Deus quando a pessoa tem um encontro pessoal com Deus em suas páginas.
Ortodoxia: a Bíblia É a Palavra do Deus
Por cerca de 18 séculos de história da igreja, prevaleceu a opinião ortodoxa da inspiração divina. Os pais da igreja, em geral, com raras manifestações menos importantes em contrário, ensinaram firmemente que a Bíblia é a Palavra de Deus escrita. Teólogos ortodoxos ao longo dos séculos vêm ensinando, todos de comum acordo, que a Bíblia foi inspirada verbal¬mente, i.e., é o registro escrito por inspiração de Deus. No entanto, tem havido tentativas de procurar explicação para o fato de que o registro escrito ser a Palavra de Deus, ao mesmo tempo que o Livro, obviamente, foi composto por autores humanos, dotados de estilos pessoais diferentes uns dos outros. Essas tentativas conduziram os estudiosos ortodoxos a duas opiniões divergentes. Alguns abraçaram a ideia do "ditado verbal", afirmando que os autores humanos da Bíblia registraram apenas o que Deus lhes havia ditado, palavra por palavra. De outro lado, estão os estudiosos que preferiam a teoria do "conceito inspirado", segundo a qual Deus só concedeu aos autores pensamentos inspirados, e os autores tiveram liberdade de revesti-los com palavras próprias.
Ditado verbal. Na obra de John R. Rice, Our God-breathed book—the Bible [Nosso livro soprado por Deus — a Bíblia), encontramos uma apresentação clara e bem ordenada do ditado verbal. O autor descarta a idéia de que o ditado verbal seja mecânico, sustentando que Deus ditou sua Palavra mediante a personalidade do autor humano. É que Deus, por sua atuação especial e providência, foi quem formou as personalidades sobre as quais, posteriormente, o Espírito Santo haveria de soprar seu ditado palavra por palavra. Assim, argumenta Rice, Deus havia preparado de antemão os estilos particulares que ele próprio desejava, a fim de produzir as palavras exatas, ao usar estilos e vocabulários predeterminados, encontráveis nos diferentes autores humanos. O resultado final, então, foi um ditado palavra por palavra da parte de Deus, as Escrituras Sagradas.
Conceitos inspirados. Em sua Systematic theology [Teologia sistemática], A. H. Strong apresenta uma visão que vem sendo denominada inspiração conceitual. Deus teria inspirado apenas os conceitos, não as expressões literárias particulares com que cada autor concebeu seus textos. Deus teria dado seus pensamentos aos profetas, que tiveram toda a liberdade de exprimi-los em seus termos humanos. Dessa maneira, Strong esperava evitar quaisquer
implicações mecanicistas derivadas do ditado verbal, e ainda preservar a origem divina das Escrituras. Deus concedeu a inspiração conceitual, e os homens de Deus forneceram a expressão verbal característica de seus estilos próprios.
Modernismo: a Bíblia CONTÉM a Palavra de Deus
Ao surgir o idealismo germânico e a crítica da Bíblia, surgiu também uma nova visão evoluída da inspiração bíblica, a par do modernismo, ou liberalismo teológico. Opondo-se à opinião ortodoxa tradicional de que a Bíblia é a Palavra de Deus, os modernistas ensinam que a Bíblia meramente contém a Palavra de Deus. Certas partes dela são divinas, expressam a verdade, mas outras são obviamente humanas e apresentam erros. Tais autores acham que a Bíblia foi vítima de sua época, exatamente como acontece a quaisquer outros livros. Afirmam que ela teria incorporado muito das lendas, dos mitos e das falsas crenças relacionadas à ciência. Sustentam, então, que, pelo fato desses elementos não terem sido inspirados por Deus, devem ser rejeitados pelos homens iluminados de hoje. Tais erros seriam resquícios de uma mentalidade primitiva indigna de fazer parte do credo cristão. Só as verdades divinas, entremeadas nessa mistura de ignorância antiga e erro grosseiro, é que de fato teriam sido inspiradas por Deus.
O conceito da iluminação. Defendem alguns estudiosos que as "partes inspiradas" da Bíblia resultam de uma espécie de iluminação divina, mediante a qual Deus teria concedido uma profunda percepção religiosa a alguns homens piedosos. Tais percepções teriam sido usufruídas com diferentes gradações de compreensão, tendo sido registradas com misturas de idéias religiosas errôneas e crendices da ciência, comuns naqueles dias. Daí resultaria um livro, a Bíblia, que expressa vários graus de inspiração, dependendo da profundidade da iluminação religiosa experimentada por qualquer dos autores.
O conceito da intuição. Na outra extremidade da visão modernista estão os estudiosos que negam totalmente a existência de algum elemento divino na composição da Bíblia. Para eles a Bíblia não passa de um caderno de rascunho em que os judeus registravam suas lendas, histórias, poemas e outras coisas, sem nenhum valor histórico. O que alguns denominam inspiração divina não seria outra coisa senão intensa intuição humana. Dentro desse folclore judaico a que se deu o nome de Bíblia, encontram-se alguns exemplos significativos de elevada moral e de gênio religioso. Todavia, essas percepções espirituais são puramente naturalistas. Em absolutamente nada, passam de intuição humana; não existiria inspiração sobrenatural, tampouco iluminação.
Neo-Ortodoxia: a Bíblia TORNA-SE a Palavra de Deus
No início do século xx, a reviravolta nos acontecimentos mundiais e a influência do pai dinamarquês do existencialismo, Sören Kierkegaard, deram origem a uma nova reforma na teologia europeia. Muitos estudiosos começaram a voltar-se de novo para as Escrituras, a fim de ouvir nelas a voz de Deus. Sem abrir mão de suas opiniões críticas a respeito da Bíblia, começaram a levar a Bíblia a sério, por ser a fonte da revelação de Deus aos homens. Criando um novo tipo de ortodoxia, afirmavam que Deus fala aos homens mediante a Bíblia; as Escrituras tornam-se a Palavra de Deus num encontro pessoal entre Deus e o homem.
À semelhança das outras teorias a respeito da inspiração da Bíblia, a neo-ortodoxia desenvolveu duas correntes. Na extremidade mais importante estavam os demitizadores, que negam todo e qualquer conteúdo religioso importante, factual ou histórico, nas páginas da Bíblia, e crêem apenas na preocupação religiosa existencial sobre a qual medram os mitos. Na outra extremidade, os pensadores de tendência mais evangélica tentam preservar a maior parte dos dados factuais e históricos das Escrituras, mas sustentam que a Bíblia de modo algum é revelação de Deus. Antes, Deus se revela na Bíblia nos encontros pessoais; não, porém, de maneira proposicional.
Visão demitizante. Rudolf Bultmann e Shubert Ogden são representantes característicos da visão demitizante. Ambos diferem entre si, uma vez que Ogden não vê nenhum cerne histórico que dê consistência aos mitos da Bíblia, embora Bultmann consiga enxergar isso. Ambos concordam em que a Bíblia foi escrita em linguagem mitológica, a da época de seus autores, época já passada e obsoleta. A tarefa do cristão moderno é demitizar a Bíblia, ou seja, despi-la de seus trajes lendários, mitológicos, e descobrir o conhecimento existencial a ela subjacente. Afirma Bultmann que, a partir do momento que a Bíblia é despida desses mitos religiosos, a pessoa encontra a verdadeira mensagem do amor sacrificial de Deus em Cristo. Não é necessário que a pessoa se prenda a uma revelação objetiva, histórica e proposicional, a fim de experimentar essa verdade pessoal e subjetiva. Daí decorre que a Bíblia torna-se a revelação de Deus aos homens, mediante uma interpretação adequada (i.e., demitizada), quando a pessoa depara com o amor absoluto, exposto no mito do amor altruísta de Deus em Cristo. Por isso, a Bíblia em si mesma não é revelação alguma; é apenas uma expressão primitiva, mitológica, mediante a qual Deus se revela pessoalmente, desde que demitizado da maneira correta.
Encontro pessoal. A outra corrente da neo-ortodoxia, representada por Karl Barth e Emil Brunner, nutre uma visão mais ortodoxa das Escrituras. Barth reconhece que existem algumas imperfeições no registro escrito (até mesmo nos autógrafos) e, no entanto, afirma que a Bíblia é a fonte da revelação de Deus. Afirma ele que Deus nos fala mediante a Bíblia; que ela é o veículo de sua revelação. Assim como um cão ouve a voz de seu dono, gravada de modo imperfeito na gravação de uma fita ou disco, assim também o cristão pode ouvir a voz de Deus que ressoa nas Escrituras. Afirma Brunner que a revelação de Deus não é proposicional (i.e., feita por meio de palavras). Assim, a Bíblia, como se nos apresenta, deixa de ser uma revelação de Deus, passando a ser mero registro da revelação pessoal de Deus aos homens de Deus em eras passadas. Todavia,sempre que o homem moderno se encontra com Deus, mediante as Escrituras Sagradas, a Bíblia torna-se a Palavra de Deus para nós. Em contraposição à visão ortodoxa, para os teólogos neo-ortodoxos a Bíblia não seria um registro inspirado. Antes, é um registro imperfeito, que, apesar dessa mesma imperfeição, constitui o testemunho singular da revelação de Deus. Quando Deus surge no registro escrito, de maneira pessoal, a fim de falar ao leitor, a Bíblia nesse momento torna-se a Palavra de Deus para esse leitor.
O ensino bíblico a respeito da inspiração
Muitas objeções têm sido levantadas contra as várias teorias da inspiração, as quais partem de diferentes concepções, tendo variados graus de legitimidade, dependentemente do ângulo de observação da pessoa que as formula. Visto que o objetivo deste estudo é levar o aluno a compreender o caráter da Bíblia, o critério analítico que escolhemos visa a avaliar todas essas teorias, levando em consideração o que as Escrituras revelam a respeito de sua própria inspiração. Comecemos com o que a Bíblia ensina, formalmente, sobre essa questão e, depois, examinemos o que se acha logicamente implícito nesse ensino.
O que a própria Bíblia ensina a respeito de sua inspiração
Na aula anterior, examinamos de modo genérico o ensino de dois grandes textos do Novo Testamento a respeito da inspiração (2Tm 3.16 e 2Pe 1.21). A Bíblia declara ser um livro dotado de autoridade divina, resultante de um processo pelo qual homens movidos pelo Espírito Santo escreveram textos inspirados (soprados) por Deus. Vamos agora examinar em minúcias o que significa essa declaração.
A inspiração é verbal. Independentemente de outras afirmações que possam ser formuladas a respeito da Bíblia, fica bem claro que esse livro reivindica para si mesmo esta qualidade: a inspiração verbal. O texto clássico de 2Timóteo 3.16 declara que as graphã, i.e., os textos, é que são inspiradas. "Moisés escreveu todas as palavras do Senhor..." (Êx 24.4). O Senhor ordenou a Isaías que escrevesse num livro a mensagem eterna de Deus (Is 30.8). Davi confessou: "O Espírito do Senhor fala por mim, e a sua palavra está na minha boca" (2Sm 23.2). Era a palavra do Senhor que chegava aos profetas nos tempos do Antigo Testamento. Jeremias recebeu esta ordem: "... não te esqueças de nenhuma palavra" (Jr 26.2).
No Novo Testamento, Jesus e seus apóstolos ressaltaram a revelação registrada ao usar repetidamente a expressão "está escrito" (v. Mt 4.4,7; Lc 24.27,44). O apóstolo Paulo testemunhou: "... falamos, não com palavras de sabedoria humana, mas com as que o Espírito Santo ensina..." (ICo 2.13). João nos adverte quanto a não "tirar quaisquer palavras do livro desta profecia" (Ap 22.19). As Escrituras (i.e., os escritos) do Antigo Testamento são continuamente mencionadas como Palavra de Deus. No célebre sermão da montanha, Jesus declarou que não só as palavras, mas até mesmo os pequeninos sinais diacríticos de uma palavra hebraica vieram de Deus: "Em verdade vos digo que até que a terra e o céu passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido" (Mt 5.18). Portanto, o que quer que se diga como teoria a respeito da inspiração das Escrituras, fica bem claro que a Bíblia reivindica para si mesma toda a autoridade verbal ou escrita. Diz a Bíblia que suas palavras vie¬ram da parte de Deus.
A inspiração é plena. A Bíblia reivindica a inspiração divina de todas as suas partes. É inspiração plena, total, absoluta. "Toda Escritura é divinamente inspirada..." (2Tm 3.16). Nenhuma parte das Escrituras deixou de receber total autoridade doutrinária. A Escritura toda (i.e., o Antigo Testamento integralmente), escreveu Paulo, "é divinamente inspirada e pro¬veitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça" (2Tm 3.16). E foi além, ao escrever: "... tudo o que outrora foi escrito, para o nosso ensino foi escrito" (Rm 15.4). Jesus e todos os autores do Novo Testamento exemplificam amplamente sua crença firme na inspiração integral e completa do Antigo Testamento, citando trechos de todas as Escrituras que eram para eles de autoridade, até mesmo os que apresentam ensinos fortemente polêmicos: A criação de Adão e de Eva, a destruição do mundo pelo dilúvio, o milagre de Jonas e o grande peixe, e muitos outros acontecimentos são mencionados por Jesus deixando bem clara a autoridade deles. Todo trecho das Sagradas Escrituras reivindica total e completa autoridade. A inspiração da Bíblia é plena.
É claro que a inspiração plena estendesse apenas aos ensinos dos autógrafos, como já afirmamos. Todavia, tudo quanto a Bíblia ensi¬na, quer no Antigo, quer no Novo Testamento, é integralmente dotado de autoridade divina. Nenhum ensino das Escrituras deixou de ter origem divina. O próprio Deus inspirou as palavras usadas para exprimir os ensinos proféticos. Repitamos: a inspiração é plena, a saber, completa e integral, abrangendo todas as partes da Bíblia.
A inspiração atribui autoridade. Fica, pois, saliente o fato de que a inspiração concede autoridade indiscutível ao texto ou documento escrito. Disse Jesus: "... a Escritura não pode ser anulada..." (Jo 10.35). Em numerosas ocasiões o Senhor recorreu à Palavra de Deus escrita, que ele considerava árbitro definitivo em questões de fé e de prática. O Senhor recorreu às Escrituras como a autoridade para ele purificar o templo (Mc 11.17), para pôr em cheque a tradição dos fariseus (Mt 15.3,4) e para resolver divergências doutrinárias (Mt 22.29). Até mesmo Satanás foi repreendido por Cristo mediante a autoridade da Palavra escrita de Deus: "Está escrito [...] Está escrito [...] Está escrito...". Jesus contra-atacou as tentações de Satanás com a Palavra de Deus escrita (Mt 4.4,7,10).
Algumas vezes, Jesus declarou o seguinte: "... era necessário que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos" (Lc 24.44). Todavia, é em outra declaração de Jesus que encontramos apoio ainda mais forte do Senhor à autoridade inquestionável das Escrituras: "É mais fácil passar o céu e a terra do que cair um til sequer da lei" (Lc 16.17). A Palavra de Deus não pode ser anulada. Provém de Deus e está envolta na autoridade divina que o próprio Deus lhe concedeu.
Implicações da doutrina bíblica da inspiração
Há certos fatos que, embora não formalmente apresentados na doutrina da inspiração, acham-se implícitos. Vamos tratar aqui de três deles: a igualdade entre o Antigo e o Novo Testamento, a variedade da expressão literária e a inerrância do texto.
A inspiração diz respeito, igualmente, ao Antigo e ao Novo Testamento. A maioria das passagens citadas acima a respeito da natureza plena da inspiração refere-se diretamente ao Antigo Testamento. Com base em que, então, podem aplicar-se (por extensão) ao Novo Testamento? A resposta a essa pergunta é que o Novo Testamento, à semelhança do Antigo, reivin¬dica a virtude de ser Escritura Sagrada, escrito profético, e toda a Escritura e todos os escritos proféticos devem ser considerados inspirados por Deus.
De acordo com 2Timóteo 3.16, toda a Escritura é inspirada. Ainda que a referência explícita, aqui, refira-se ao Antigo Testamento, é verdade que o Novo Testamento também deve ser considerado Escritura Sagrada. Pedro, por exemplo, classifica as cartas de Paulo como parte das "outras Escrituras" do Antigo Testamento (2Pe 3.16). Em ITimóteo 5.16, Paulo cita o evangelho de Lucas (10.7), referindo-se a ele como "Escritura". Tal fato é mais significativo ainda quando consideramos que nem Lucas, nem Paulo fizeram parte do grupo dos doze apóstolos. Visto que as car¬tas de Paulo e os escritos de Lucas (Lucas e Atos; v. At 1.1, Lc 1.1-4) foram classificados como Escritura Sagrada, por implicação direta o resto do Novo Testamento, escrito pelos apóstolos, também é considerado Escritura Sagrada. Em suma, se "toda Escritura é divinamente inspirada" e o Novo Testamento é considerado Escritura, decorre disso claramente que o Novo Testamento é encarado com a mesma autoridade do Antigo. Na verdade, é exatamente assim que os cristãos, desde o tempo dos apóstolos, têm considerado o Novo Testamento. Eles o consideravam com a mesma autoridade do Antigo Testamento.
Além disso, de acordo com 2Pedro 1.20,21, todas as mensagens escritas de natureza profética foram dadas ou inspiradas por Deus. E, visto que o Novo Testamento reivindica a natureza de mensagem profética, segue-se que ele também reclama autoridade igual à dos escritos proféti¬cos do Antigo Testamento. João, por exemplo, refere-se ao livro do Apocalipse da seguinte forma: "palavras da profecia deste livro" (Ap 22.18). Paulo afirmou que a igreja estava edificada sobre o alicerce dos apóstolos e profetas do Novo Testamento (Ef 2.20; 3.5). Visto que o Novo Testamento, à semelhança do Antigo, é um texto dos profetas de Deus, ele possui, por essa razão, a mesma autoridade dos textos inspirados do Antigo Testamento.
A inspiração abarca uma variedade de fontes e de gêneros literários.
O fato da inspiração ser verbal, ou escrita, não exclui o uso de documentos literários e de gêneros literários diferentes entre si. As Escrituras Sagradas não foram ditadas palavra por palavra, no sentido comum que se atribui ao verbo ditar. Na verdade, há certos trechos menores da Bíblia, como, por exemplo, os Dez Mandamentos, que Deus outorgou diretamente ao homem (v. Dt 4.10), mas em parte alguma está escrito, ou fica implícito, que a Bíblia é resultante de um ditado palavra por palavra. Os autores das Sagradas Escrituras eram escritores e compositores, não meros secretários, amanuenses ou estenógrafos.
Há vários fatores que contribuíram para a formação das Escrituras Sagradas e dão forte apoio a essa afirmativa. Em primeiro lugar, existe uma diferença marcante de vocabulário e de estilo de um escritor para outro. Comparem-se as poderosas expressões literárias de Isaías com os tons lamurientos de Jeremias. Compare-se a construção literária de suma complexidade, encontrada em Hebreus, com o estilo simples de João. Distinguimos facilmente a linguagem técnica de Lucas, o médico amado, da linguagem de Tiago, formada de imagens pastorais.
Em segundo lugar, a Bíblia faz uso de documentos não-bíblicos, como o Livro de Jasar (Js 10.13; 2Sm 1.18), o livro de Enoque (Jd 14) e até o poeta Epimênedes (At 17.28). Somos informados de que muitos dos provérbios de Salomão haviam sido editados pelos homens de Ezequias (Pv 25.1). Lucas reconhece o uso de muitas fontes escritas sobre a vida de Jesus, na composição de seu próprio evangelho (Lc 1.1-4).
Em terceiro lugar, os autores bíblicos empregavam vasta variedade de géneros literários; tal fato não caracteriza um ditado monótono em que as palavras são pronunciadas uma após a outra, segundo o mesmo padrão. Grande parte das Escrituras é formada de poesia (e.g., Jó, Sal¬mos, Provérbios). Os evangelhos contêm muitas parábolas. Jesus empregava a sátira (v. Mt 19.24), Paulo usava alegorias (Gl 4) e até hipérboles (Cl 1.23), ao passo que Tiago gostava de usar metáforas e símiles.
Por fim, a Bíblia usa a linguagem simples do senso comum, do dia-a-dia, que salienta a ocorrência de um acontecimento, não a linguagem de fundamento científico. Isso não significa que os autores usassem linguagem anticientífica ou negadora da ciência, e sim linguagem popular para descrever fenómenos científicos. Não é mais anticientífico afirmar que o sol permaneceu parado (Js 10.12) do que dizer que o sol nasceu ou subiu (Js 1.15). Dizer que a rainha de Sabá veio "dos confins da terra", ou que as pessoas no Pentecostes vieram "de todas as nações debaixo do céu", não é dizer coisas com exatidão científica. Os autores usaram formas comuns, gramaticais de expressar seu pensamento sobre os assuntos.
Por isso, o que quer que fique implícito na doutrina dos escritos inspirarados, os dados das Escrituras mostram com clareza que elas incluem o emprego de grande variedade de fontes literárias e de estilos de expressão. Nem todas as mensagens vieram diretamente de Deus, mediante ditado. Tampouco foram expressas de modo uniforme e literal. É preciso que se entenda a inspiração da perspectiva histórica e gramatical. A inspiração não pode ser entendida como um ditado uniforme, ainda que divino, que exclua os recursos, a personalidade e as variadas formas hu¬manas de expressão.
Inspiração pressupõe inerrância. A Bíblia não só é inspirada; é também, por causa de sua inspiração, inerrante, i.e., não contém erro. Tudo quanto Deus declara é verdade isenta de erro. Com efeito, as Escrituras afirmam ser a declaração (aliás, as próprias palavras) de Deus. Nada do que a Bíblia ensina contém erro, visto que a inerrância é consequência lógica da inspiração divina. Deus não pode mentir (Hb 618); sua Palavra é a verdade (Jo 17.17). Por isso, seja qual for o assunto sobre o qual a Bíblia diga alguma coisa, ela só dirá a verdade. Não existem erros históricos, nem científicos nos ensinos das Escrituras. Tudo quanto a Bíblia ensina vem de Deus e, por isso, não tem a mácula do erro.
Não é possível refugir às implicações da inerrância factual com a declaração de que a Bíblia nada tem para dizer a respeito de assuntos factuais ou históricos. Grande parte da Bíblia apresenta-se como história. Bastam as tediosas genealogias para atestar essa realidade. Alguns dos maiores ensinos da Bíblia, como a criação, o nascimento virginal de Cristo, a crucificação e a ressurreição corpórea, claramente pressupõem matérias factuais. Não existem meios de "espiritualizar" a natureza factual e histórica dessas verdades bíblicas, sem praticar violência terrível contra a análise honesta do texto, da perspectiva cultural e gramatical.
A Bíblia não é um compêndio de Ciências, mas, quando trata de assuntos científicos em seu ensino, o faz sem cometer erro. A Bíblia não é um compêndio de História, mas, sempre que a história secular se cruza com a história sagrada em suas páginas, a Bíblia faz referência a ela sem cometer erro. Se a Bíblia não fosse inerrante e não estivesse certa nas questões factuais, empíricas, comprováveis, de que maneira seria possível confiar nela em questões espirituais, não sujeitas a testes? Como disse Jesus a Nicodemos: "Se vos falei de coisas terrestres, e não crestes, como crereis, se vos falar das celestiais?" (Jo 3.12).
Aula 2 - Algumas distinções importantes
A inspiração em contraste com a revelação e a iluminação
Há dois conceitos inter-relacionados que nos ajudam a esclarecer, pela contraposição, o que significa inspiração. São eles revelação e a iluminação. Revelação diz respeito à exposição da verdade. Iluminação, à devida compreensão dessa verdade descoberta. No entanto, a inspiração não consiste nem em uma, nem em outra. A revelação prende-se à origem da verdade e à sua transmissão; a inspiração relaciona-se com a recepção e o registro da verdade. A iluminação ocupa-se da posterior apreensão e compreensão da verdade revelada. A inspiração que traz a revelação escrita aos homens não traz em si mesma garantia alguma de que os homens a entendam. É necessário que haja iluminação do coração e da mente. A revelação é uma abertura objetiva; a iluminação é a compreensão subjetiva da revelação; a inspiração é o meio pelo qual a revelação se tornou uma exposição aberta e objetiva. A revelação é o fato da comunicação divina; a inspiração é o meio; a iluminação, o dom de compreender essa comunicação.
Inspiração dos originais, não das cópias
A inspiração e a consequente autoridade da Bíblia não se estendem automaticamente a todas as cópias e traduções da Bíblia. Só os manuscritos originais, conhecidos por autógrafos, foram inspirados por Deus. Os erros e as mudanças efetuados nas cópias e nas traduções não podem ser atribuídos à inspiração original. Por exemplo, 2Reis 8.26 diz que Azarias tinha 22 anos de idade quando foi coroado rei, enquanto 2Crônicas 22.2 diz que tinha 42 anos. Não é possível que ambas as informações estejam corretas. O original é autorizado; a cópia errônea não tem autoridade. Outros exemplos desse tipo de erro podem encontrar-se nas atuais cópias das Escrituras (e.g., cf. IRs 4.26 e 2Cr 9.25). Portanto, uma tradução ou cópia só é autorizada à medida que reproduz com exatidão os autógrafos. Veremos posteriormente até que ponto as cópias da Bíblia são exatas, segundo a ciência da crítica textual. Por ora, basta-nos observar que o grandioso conteúdo doutrinário e histórico da Bíblia tem sido transmitido de geração a geração, ao longo da história, sem mudanças nem perdas substanciais. As cópias e as traduções da Bíblia, encontradas no século xx, não detêm a inspiração original, mas contêm uma inspiração derivada, uma vez que são cópias fiéis dos autógrafos! De uma perspectiva técnica, só os autógrafos são inspirados; todavia, para fins práticos, a Bíblia nas línguas de nossa época, por ser transmissão exata dos originais, é a Palavra de Deus inspirada.
Visto que os originais não mais existem, alguns críticos têm objetado a inerrância de autógrafos que não podem ser examinados e nunca foram vistos. Eles perguntam como é possível afirmar que os originais não continham erro, se não podem ser examinados? A resposta é que a inerrância bíblica não é um fato conhecido empiricamente, mas uma crença baseada no ensino da Bíblia a respeito de sua inspiração, bem como baseada na natureza altamente precisa da grande maioria das Escrituras transmitidas, e na ausência de qualquer prova em contrário. Afirma a Bíblia ser a declaração de um Deus que não pode cometer erro. É verdade que nunca se descobriram os originais infalíveis da Bíblia, mas tampouco se descobriu um único autógrafo original falível. Temos, pois, manuscritos que foram copiados com toda precisão e traduzidos para muitas línguas, dentre as quais o português. Portanto, para todos os efeitos de doutrina e de dever, a Bíblia como a temos hoje é representação suficiente da Palavra de Deus, cheia de autoridade.
Inspiração do ensino, mas não de todo o conteúdo da Bíblia
Cumpre ressaltar também que só o que a Bíblia ensina foi inspirado por Deus e não apresenta erro; nem tudo que está na Bíblia ficou isento de erro. Por exemplo, as Escrituras contêm o relato de muitos atos maus, pecaminosos, mas de modo algum a Bíblia os elogia; tampouco os recomenda. Ao contrário, condena essas práticas malignas. A Bíblia chega a narrar algumas das mentiras de Satanás (e.g., Gn 3.4). Portanto, a simples existência dessa narração não significa que a Bíblia ensine serem verdadeiras essas mentiras. A única coisa que a inspiração divina garante aqui é que se trata de um registro verdadeiro de uma mentira satânica, de uma perversidade real de Satanás.
Às vezes, não está perfeitamente claro se a Bíblia registra apenas um mero relato do que alguém disse ou fez, ou se ela está ensinando que devemos proceder de igual forma. Por exemplo, estará a Bíblia ensinando que tudo quanto os amigos de Jó disseram é verdade? Seriam todos os ensinos daquele homem "debaixo do sol", em Eclesiastes, ensino de Deus, ou mero registro fiel de pensamentos vãos? Seja qual for a resposta, o estudante da Bíblia é admoestado a não julgar verdadeiro tudo quanto a Bíblia afirma só por ter aparência de verdade. O estudante da Bíblia precisa procurar seu verdadeiro ensino, sem atribuir verdade a tudo quanto está escrito em suas páginas. De fato, a Bíblia registra muitas coisas que ela de modo algum recomenda, como a asserção: "Não há Deus" (SI 14.1). Em todas as passagens, o que a Bíblia está declarando deve ser estudado com cuidado, a fim de se apurar o que ela está ensinando na verdade. Só o que a Bíblia ensina é que é inspirado, e não todas as palavras relacionadas a todo o seu conteúdo.
Resumindo, a Bíblia é um livro incomum. Compõe-se de dois testamentos formados de 66 livros, os quais declaram ou comprovam a inspiração divina. Com inspiração queremos dizer que os manuscritos originais da Bíblia nos foram concedidos pela revelação de Deus e, exatamente por isso, detêm a absoluta autoridade de Deus, para formar o pensamento e a vida cristã. Isso significa que tudo quanto a Bíblia ensina constitui tribunal de apelação infalível. O próximo tópico de estudo diz respeito à natureza exata da inspiração da Bíblia.
segunda-feira, 20 de agosto de 2007
Aula 1
Observação > O material postado no blog é oriundo do livro "Introdução Bíblica" de Norman Geisler e William Nix
O caráter da Bíblia
A Bíblia é um livro singular. Trata-se de um dos livros mais antigos do mundo e, no entanto, ainda é o bestseller mundial por excelência. É produto do mundo oriental antigo; moldou, porém, o mundo ocidental moderno. Tiranos houve que já queimaram a Bíblia, e os crentes a reverenciam. É o livro mais traduzido, mais citado, mais publicado e que mais influência tem exercido em toda a história da humanidade.
Afinal, que é que constitui esse caráter inusitado da Bíblia? Como foi que ela se originou? Quando e como assumiu sua forma atual? Que significa "inspiração" da Bíblia? São essas as perguntas para as quais se voltará o nosso interesse nesta aula introdutória ao assunto.
A estrutura da Bíblia
A palavra Bíblia (Livro) entrou para as línguas modernas por intermédio do francês, passando primeiro pelo latim bíblia, com origem no grego biblos. Originariamente, era o nome que se dava à casca de um papiro do século XI a.C. Por volta do século II d.C., os cristãos usavam a palavra para designar seus escritos sagrados.
Os dois testamentos da Bíblia
A Bíblia compõe-se de duas partes principais: o Antigo Testamento (AT) e o Novo Testamento (NT). O AT foi escrito pela comunidade judaica, e por ela preservado um milénio ou mais antes da era de Jesus. O NT foi composto pelos discípulos de Jesus Cristo ao longo do século l d.C.
A palavra testamento, que seria melhor traduzida por "aliança", é tradução de palavras hebraicas e gregas que significam "pacto" ou "acordo" celebrado entre duas partes ("aliança"). Portanto, no caso da Bíblia, temos o contrato antigo, celebrado entre Deus e seu povo, os judeus, e o pacto novo, celebrado entre Deus e os cristãos.
Estudiosos cristãos frisaram a unidade existente entre esses dois testamentos da Bíblia sob o aspecto da Pessoa de Jesus Cristo, que declarou ser o tema unificador da Bíblia. Agostinho dizia que o NT acha-se velado no AT, e o AT, revelado no NT. Outros autores disseram o mesmo em outras palavras: "O Novo Testamento está no Antigo Testamento ocultado, e o Antigo, no Novo revelado". Assim, Cristo se esconde no Antigo Testamento e é desvendado no Novo. Os crentes anteriores a Cristo olhavam adiante com grande expectativa, ao passo que os crentes de nossos dias vêem em Cristo a concretização dos planos de Deus.
As seções da Bíblia
A Bíblia divide-se comumente em oito seções, quatro do Antigo Testamento e quatro do Novo.
A divisão do Antigo Testamento em quatro seções baseia-se na disposição dos livros por tópicos, com origem na tradução das Escrituras Sagradas para o grego. Essa tradução, conhecida como a Versão dos septuaginta(LXX), iniciara-se no século III a.C. A Bíblia hebraica não segue essa divisão tópica dos livros, em quatro partes. Antes, emprega-se uma divisão de três partes, talvez baseada na posição oficial de seu autor. Os cinco livros de Moisés, que outorgou a lei, aparecem em primeiro lugar. Seguem-se os livros dos homens que desempenharam a função de profetas. Por fim, a terceira parte contém livros escritos por homens que, segundo se cria, tinham o dom da profecia, sem serem profetas oficiais. É por isso que o Antigo Testamento hebraico apresenta a estrutura do quadro 1.
A razão dessa divisão das Escrituras hebraicas em três partes encontra-se na história judaica. É provável que o testemunho mais antigo dessa divisão seja o prólogo ao livro de Siraque, ou Eclesiástico, durante o século II a.C. O Mishna (ensino) judaico, Josefo, primeiro historiador judeu, e a tradição judaica posterior também deram prosseguimento a essa divisão tríplice de suas Escrituras. O Novo Testamento faz uma possível alusão a uma divisão em três partes do Antigo Testamento, quando Jesus disse: "... era necessário que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos" (Lc 24.44).
A despeito do fato de o Judaísmo ter mantido uma divisão tríplice até a presente data, a Vulgata latina, de Jerônimo, e as Bíblias posteriores a ela seguiriam o formato mais tópico das quatro partes em que se divide a Septuagjnta. Se combinarmos essa divisão com outra, mais natural e largamente aceita, também de quatro partes, do Novo Testamento, a Bíblia pode ser divida na estrutura geral e cristocêntrica apresentada no quadro 2.
Ainda que não existam razões de ordem divina para dividirmos a Bíblia em oito partes, a insistência cristã em que as Escrituras devam ser entendidas tendo Cristo por centro baseia-se nos ensinos do próprio Cristo. Cerca de cinco vezes no Novo Testamento, Jesus afirmou ser ele próprio o tema do Antigo Testamento (Mt 5.17; Lc 24.27; Jo 5.39; Hb 10.7). Diante dessas declarações, é natural que analisemos essas divisões das Es¬crituras, em oito partes, por tópicos, sob o aspecto de seu tema maior — Jesus Cristo.
Capítulos e versículos da Bíblia
As Bíblias mais antigas não eram divididas em capítulos e versículos. Essas divisões foram feitas para facilitar a tarefa de citar as Escrituras. Stephen Langton, professor da Universidade de Paris, mais tarde arcebispo da Cantuária, dividiu a Bíblia em capítulos em 1227. Robert Stephanus, impressor parisiense, acrescentou a divisão em versículos em 1551 e em 1555. Felizmente, estudiosos judeus, desde aquela época, adotaram essa divisão de capítulos e versículos para o Antigo Testamento.
A inspiração da Bíblia
A característica mais importante da Bíblia não é sua estrutura e sua forma, mas o fato de ter sido inspirada por Deus. Não se deve interpretar de modo errôneo a declaração da própria Bíblia a favor dessa inspiração. Quando falamos de inspiração, não se trata de inspiração poética, mas de autoridade divina. A Bíblia é singular; ela foi literalmente "soprada por Deus". A seguir examinaremos o que significa isso.
Uma definição de inspiração
Embora a palavra inspiração seja usada apenas uma vez no Novo Testamento (2Tm 3.16) e outra no Antigo (Jó 32.8), o processo pelo qual Deus transmite sua mensagem autorizada ao homem é apresentado de muitas maneiras. Um exame das duas grandes passagens a respeito da inspiração, encontradas no Novo Testamento, poderá ajudar-nos a entender o que significa a inspiração bíblica.
Descrição bíblica de inspiração
Assim escreveu Paulo a Timóteo: "Toda Escritura é divinamente ins¬pirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça" (2Tm 3.16). Em outras palavras, o texto sagrado do Antigo Testamento foi "soprado por Deus" (theopneustos) e, por isso, dotado da autoridade divina para o pensamento e para a vida do crente. A passagem correlata de 1 Co 2.13 realça a mesma verdade. "Disto também falamos", escreveu Paulo, "não com palavras de sabedoria hu¬mana, mas com as que o Espírito Santo ensina, comparando as coisas espirituais com as espirituais." Quaisquer palavras ensinadas pelo Espírito Santo são palavras divinamente inspiradas.
A segunda grande passagem do Novo Testamento a respeito da inspiração da Bíblia está em 2 Pe 1.21. "Pois a profecia nunca foi produzida por vontade dos homens, mas os homens santos da parte de Deus falaram movidos pelo Espírito Santo." Em outras palavras, os profetas eram homens cujas mensagens não se originaram de seus próprios impulsos, mas foram "sopradas pelo Espírito". Pela revelação, Deus falou aos profetas de muitas maneiras (Hb 1.1): mediante anjos, visões, sonhos, vozes e milagres. Inspiração é, assim, a forma pela qual Deus falou aos homens mediante os profetas. Mals um sinal de que as palavras dos profetas não partiam deles próprios, mas de Deus, é o fato deles sondarem seus próprios escritos a fim de verificar "qual o tempo ou qual a ocasião que o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, ao dar de antemão testemunho sobre os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e sobre as glórias que os seguiriam" (1 Pe 1.11).
Fazendo uma combinação das passagens que ensinam sobre a inspiração divina, descobrimos que a Bíblia é inspirada no seguinte sentido: homens, movidos pelo Espírito, escreveram palavras sopradas por Deus, as quais são a fonte de autoridade para a fé e para a prática cristã. Vamos a seguir analisar com mais cuidado esses três elementos da inspiração.
Definição teológica da inspiração
Na única vez em que o Novo Testamento usa a palavra inspiração, ela se aplica aos escritos, não aos escritores. A Bíblia é que é inspirada, e não seus autores humanos. O adequado, então, é dizer que: o produto é inspirado, os produtores não. Os autores indubitavelmente escreveram e falaram sobre muitas coisas, como, por exemplo, quando se referiram a assuntos mundanos, pertinentes a esta vida, os quais não foram divinamente inspirados. Todavia, visto que o Espírito Santo, conforme ensina Pedro, tomou posse dos homens que produziram os escritos inspirados, podemos, por extensão, referir-nos à inspiração em sentido mais amplo. Tal sentido mais amplo inclui o processo total pelo qual alguns homens, movidos pelo Espírito Santo, enunciaram e escreveram palavras emanadas da boca do Senhor; e, por isso mesmo, palavras dotadas da autoridade divina. É esse processo total de inspiração que contém os três elementos essenciais: a causalidade divina, a mediação profética e a autoridade escrita.
Causalidade divina. Deus é a Fonte Primordial da inspiração da Bíblia. O elemento divino estimulou o elemento humano. Primeiro Deus falou aos profetas e, em seguida, aos homens, mediante esses profetas. Deus revelou-lhes certas verdades da fé, e esses homens de Deus as registra¬ram. O primeiro fator fundamental da doutrina da inspiração bíblica, e o mais importante, é que Deus é a fonte principal e a causa primeira da verdade bíblica. No entanto, não é esse o único fator.
Mediação profética. Os profetas que escreveram as Escrituras não eram autômatos. Eram algo mais que meros secretários preparados para anotar o que se lhes ditava. Escreveram segundo a intenção total do coração, segundo a consciência que os movia no exercício normal de sua tarefa, com seus estilos literários e seus vocabulários individuais. As personalidades dos profetas não foram violentadas por uma intrusão sobrenatural. A Bíblia que eles produziram é a Palavra de Deus, mas também é a palavra do homem. Deus usou personalidades humanas para comunicar proposições divinas. Os profetas foram a causa imediata dos textos escritos, mas Deus foi a causa principal.
Autoridade escrita. O produto final da autoridade divina em operação por meio dos profetas, como intermediários de Deus, é a autoridade escríta de que se reveste a Bíblia. A Escritura "é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça". A Bíblia é a última palavra no que concerne a assuntos doutrinários e éticos. Todas as controvérsias teológicas e morais devem ser trazidas ao tribunal da Palavra escrita de Deus. As Escrituras receberam sua autoridade do próprio Deus, que falou mediante os profetas. No entanto, são os escritos proféticos e não os escritores desses textos sagrados que possuem e retêm a resultante autoridade divina. Todos os profetas morreram; os escritos proféticos prosseguem.
Em resumo, a definição adequada de inspiração precisa ter três fatores fundamentais: Deus, o Causador original, os homens de Deus, que serviram de instrumentos, e a autoridade escrita, ou Sagradas Escrituras, que são o produto final.
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Quem sou eu
- Pastor Pedro
- Sou pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, mestrando em Divindade (Magister Divinity), pelo CPAJ (Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper). Sou também professor de História da Igreja, de Introdução Bíblica, e Cartas Gerais, na Escola Teológica Rev. Celso Lopes, em Maceió AL. Além disso, sou coronel-aviador da Força Aérea Brasileira, já reformado.