Esta página tem por finalidade colocar à disposição dos meus alunos da Escola Teológica Rev. Celso Lopes textos referentes à matéria título do blog

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Aula 14 - Traduções da Bíblia


A transmissão da revelação da parte de Deus para nós gira em torno de três desenvolvimentos históricos significativos: a invenção da escrita antes de 3000 a.C.; os inícios da tradução antes de 200 a.C.; os desenvolvimentos da imprensa antes de 1600 d.C. Já vimos antes a redação e a cópia dos manuscritos originais da Bíblia, bem como o papel, o método e as práticas da crítica textual na preservação do texto dos documentos originais. Aqui dirigiremos a atenção à tradução da Palavra de Deus.
Esta parte será devotada ao estudo dos primeiros esforços na tradução da Bíblia, e àqueles que por meio da língua empreenderam esses esforços. Antes, todavia, de nos voltarmos para essas traduções, e preciso que entendamos com clareza certos termos técnicos da história da tradução da Bíblia.

Definições e distinções
Há definições mais precisas de alguns termos básicos usados no estudo da tradução da Bíblia, do que as definições usadas de modo geral. O estudante cuidadoso da Bíblia deve evitar a confusão desses termos.

Definições
Tradução, Tradução Literal e Transliteração. Esses três termos estão intimamente correlacionados. Tradução é simplesmente a transposição de uma composição literária de uma língua para outra. Por exemplo, se a Bíblia fosse transcrita dos originais hebraico e grego para o latim, ou do latim para o português, chamaríamos esse trabalho tradução. Se esses textos traduzidos fossem vertidos de volta para as línguas originais, também chamaríamos isso tradução. A The new English Bible [Nova Bíblia inglesa] (NEB) (1961,1970) é uma tradução. A tradução literal é uma tentativa de expressar, com toda a fidelidade possível e o máximo de exatidão, o sentido das palavras originais do texto que está sendo traduzido. Trata-se de uma transcrição textual, palavra por palavra. O resultado é um texto um tanto rígido. É o caso da obra Young's literal translation of the Holy Bible [Tradução literal de Young da Bíblia Sagrada] (1898). A transliteração é a versão das letras de um texto em certa língua para as letras correspon¬dentes de outra língua. É claro que uma tradução literal da Bíblia fica sem sentido para urna pessoa de pouca cultura, diante de um texto que lhe soa esquisito. No entanto, a transliteração de palavras como "anjo", "batizar" e "evangelizar" foram introduzidas nas línguas modernas.

Versão, revisão, versão revista e recensão. Esses termos têm estreito relacionamento entre si. Tecnicamente falando, versão é uma tradução da língua original (ou com consulta direta a ela) para outra língua, ainda que comumente se negligencie essa distinção. O segredo para a compreensão é que a versão envolve a língua original de determinado manuscrito. Para todos os efeitos práticos, a NEB é uma versão, tomando-se essa palavra nesse sentido. A The Rheims-Douay Bible (1582-1609) e a King James version [Versão do rei Tiago] (KJV) (ou Authorized version, AV, 1611) não foram traduzidas a partir das línguas originais. A Rheims-Douay foi traduzida da Vulgata latina, que é uma tradução também, enquanto a KJV é a quinta revisão da versão de Tyndale. No entanto, a Revised version [Versão revisada] (RV ou ERV) (1881,1885), a The American standard version [Versão padrão americana] (ASV) (1946, 1952) e a Revised standard version [Versão padrão revisada] (RSV) (1946,1952) são versões no sentido mais comum da palavra. Entenda-se, porém, que o fator crucial é este: uma versão deve ser o trabalho de traduzir um texto da língua original.
Revisão, ou versão revista, é termo usado para descrever certas traduções, em geral feitas a partir das línguas originais, que foram cuidadosa e sistematicamente revistas, cujo texto foi examinado de forma crítica, com vistas em corrigir erros ou introduzir emendas ou substituições. A KJV é um exemplo de tal revisão, como também as edições da Bíblia cha¬madas Rheims-Douay-Challoner e RSV. A New American standard Bible [Nova Bíblia americana padrão] (NASB) (1963,1971) é o exemplo mais notável e recente de uma completa revisão do texto bíblico.

Paráfrase e comentário.
Paráfrase é uma tradução "livre" ou "solta". O objetivo é que se traduza a idéia, e não as palavras. Daí que a paráfrase é mais uma interpretação que uma tradução literal do texto. Na história da tradução da Bíblia, esse tipo de texto tem sido muito popular. Na antiguidade, ao redor do século VII, por exemplo, Cedmão fez paráfrases da Criação. Entre as mais recentes paráfrases temos a obra de J. B. Phillips, New Testament in modern English [Novo Testamento em inglês moderno], A Bíblia na linguagem de hoje (BLH), da Sociedade Bíblica do Brasil e a Bíblia viva, de Kenneth Taylor. O comentário é simplesmente uma explicação das Escrituras. O exemplo mais antigo desse tipo de trabalho é o Midrash, ou comentário judaico do Antigo Testamento. Em anos recentes têm surgido traduções da Bíblia conhecidas como "ampliadas".Elas contêm comentários implícitos, às vezes explícitos, do texto, dentro da própria tradução. Bastam dois exemplos para ilustrar esse tipo de Bíblia: a de Kenneth S. Wuest, Expanded translation of the New Testament [Tradução ampliada do Novo Testamento] (1956-1959), que usou os mesmos princípios para as várias partes do discurso; a Lockman Foundation tentou todos os esforços para traduzir a The amplified Bible [A Bíblia ampliada] (1965), que seria também um comentário que emprega travessões, colchetes, parênteses e itálicos.

Distinções
Para que apreciemos de modo integral o papel desempenhado pelas traduções da Bíblia, é importante que compreendamos que o próprio processo de traduzi-la é indício da vitalidade de que a Bíblia goza no seio do povo de Deus. Logo de início, as traduções constituíram parte fundamen¬tal da vida religiosa dos antigos judeus. Esses deram o primeiro passo a preceder todas as traduções posteriores. Na igreja primitiva, as atividades missionárias eram acompanhadas por diversas traduções da Bíblia em outras línguas. Com o passar do tempo, surgiu mais uma fase na história da tradução da Bíblia, com o desenvolvimento da imprensa. O resultado foi que devemos fazer perfeita distinção entre as três categorias genéricas de traduções da Bíblia: as traduções antigas, as medievais e as modernas.

Antigas traduções da Bíblia. As traduções mais antigas continham trechos do Antigo Testamento e às vezes também do Novo. Apareceram antes do período dos concílios da igreja (c. 350 d.C), abarcando obras como o Pentateuco samaritano, os Targuns aramaicos, o Talmude, o Midrash e a Septuaginta (LXX). Logo após o período apostólico, essas traduções antigas tiveram prosseguimento na versão de Áqúila, na revisão de Símaco, nos Héxapla de Orígenes e nas versões siríacas do Antigo Testamento. Antes do Concílio de Nicéia (325) surgiram traduções do Novo Testamento para o aramaico e para o latim.

Traduções medievais da Bíblia. As traduções da Bíblia produzidas durante a Idade Média em geral continham tanto o Antigo como o Novo Testamento. Foram concluídas entre 350 e 1400. Durante esse período, as traduções da Bíblia eram dominadas pela Vulgata latina de Jerônimo (c. 340-420). A Vulgata constituiu a base tanto dos comentários como do pensamento, por toda a Idade Média. Foi dela que surgiu a paráfrase de Cedmão, a obra “História eclesiástica”, de Beda, o Venerável, e até mesmo a tradução da Bíblia para o inglês, feita por Wycliffe. A Bíblia continuou a ser traduzida para outras línguas durante esse período.

Traduções modernas. As traduções modernas surgiram a partir da épo¬ca de Wycliffe e de seus sucessores. Seguindo o exemplo de Wycliffe, visto que foi ele o pai da primeira Bíblia completa em inglês, William Tyndale (1492-1536) fez sua tradução diretamente das línguas originais, em vez de usar a Vulgata latina como fonte. Desde essa época surgiu uma multiplicidade incrível de traduções que continham o total ou apenas partes do Antigo e às vezes também do Novo Testamento. Logo após o desenvolvimento dos tipos móveis de Johann Gutenberg (c. 1454), a história da transmissão, da tradução e da distribuição da Bíblia adentra uma era inteiramente nova.
A tradução da Bíblia ajudou a manter o judaísmo puro, nos últimos séculos antes de Cristo, como mostra nosso tratamento sobre o Pentateuco samaritano e os Targuns. A tradução chamada Septuaginta (LXX) foi feita em grego, em Alexandria, no Egito (iniciando-se entre 280-250 a.C.), e serviu de fundo às traduções para o latim e para outras línguas. Essas traduções foram vitais para a evangelização, para a expansão e para o estabelecimento da igreja. Desde a Reforma, a disseminação da Bíblia vem resultando em traduções em numerosas línguas. O papel desempenhado pela Bíblia em inglês tem sido importantíssimo entre as modernas traduções. Nosso debate seguirá essas linhas tópicas, genéricas, iniciando-se com as traduções para o aramaico, para o siríaco e outras que se lhes relacionam.

Traduções principais
As mais antigas traduções da Bíblia tinham o propósito duplo que não pode ser subestimado: eram usadas a fim de disseminar a mensagem dos autógrafos ao povo de Deus, e ajudá-lo na obrigação de manter a religião pura. A proximidade dos autógrafos também indica sua importância, visto que conduzem o estudioso da Bíblia de volta aos primórdios dos documentos originais.

O Pentateuco samaritano
O Pentateuco samaritano pode ter-se originado no período de Neemias, em que se reedificou Jerusalém. Não sendo, na verdade, uma tradução, nem uma versão, mostra a necessidade do estudo cuidadoso para que se chegue ao verdadeiro texto das Escrituras. Essa obra foi, de fato, uma porção manuscrita do texto do próprio Pentateuco. Contém os cinco livros de Moisés, tendo sido escrito num tipo paleo-hebraico, muito semelhante ao que se encontrou na pedra moabita, na inscrição de Siloé, nas Cartas de Laquis e em alguns manuscritos bíblicos mais antigos de Qumran. A tradição textual do Pentateuco samaritano é independente do Texto massorético. Não foi descoberto pelos estudiosos cristãos senão em 1616, embora fosse conhecido dos pais da igreja, como Eusébio de Cesaréia e Jerônimo, tendo sido publicado, pela primeira vez, na obra Poliglota de Paris (1645) e, depois, na Poliglota de Londres (1657).
As raízes dos samaritanos podem ser encontradas na antiguidade, na época de Davi. Durante o reinado de Onri (880-874 a.C.) a capital havia sido estabelecida em Samaria (1Rs 16.24), e todo o Reino do Norte veio a ser conhecido como Samaria. Em 732 a.C., os assírios, sob Tiglate-Pileser III (745-727), conquistaram a parte nordeste de Israel e estabeleceram a política de deportar os habitantes e importar outros povos cativos para outras terras conquistadas. Sob Sargão II (em 721 a.C.) seguiu-se o mesmo procedimento, quando esse rei conquistou o resto de Israel. A Assíria impôs o casamento misto sobre os israelitas que não haviam sido deportados, para garantir que nenhuma revolta ocorresse, pois os povos estariam automaticamente perdendo sua nacionalidade e absorvendo as culturas deoutros povos cativos (2Rs 17.24—18.1). De início, os colonos adoravam deuses próprios. Quando os judeus voltaram do cativeiro babilónico, ou um pouco depois disso, esses colonos aparentemente desejaram seguir o Deus de Israel. Os judeus impediram que os samaritanos fossem integrados, e estes, por sua vez, se opuseram à restauração (v. Ed 4.2-6; Ne 5.11—6:19). No entanto, por volta de 432 a.C., a filha de Sambalate casou-se com o neto do sumo sacerdote Eliasibe. O casal misto foi expulso de judá, e tal incidente provocou o fato histórico do rompimento entre judeus e samaritanos (v. Ne 13.23-31).
A religião samaritana como sistema separado de adoração, na verdade, data da expulsão do neto do sumo sacerdote, em cerca de 432 a.C. Por essa época, um exemplar da Torá pode ter sido levado a Samaria e colocado no templo que havia sido construído no monte Gerizim, em Siquém (Nablus), onde se estabelecera um sacerdócio rival. Essa data, no século V, pode explicar tanto o texto paleo-hebraico quanto a dupla categorização, ou divisão do Pentateuco samaritano em Lei e livros não-canônicos. Esse apego samaritano à Torá e o isolamento desse povo, separado dos judeus, resultou em que a Lei foi submetida a uma tradição textual à parte.
O manuscrito mais antigo do Pentateuco samaritano data de meados do século XIV e trata-se de um fragmento de um pergaminho — o rolo chamado Ábisa. O códice do Pentateuco samaritano mais antigo traz uma nota sobre ter sido vendido em 1149-1150 d.C, embora fosse muito mais velho. A Biblioteca Pública de Nova Iorque abriga outro exemplar que data de cerca de 1232. Imediatamente após a descoberta desse exemplar, em 1616, o Pentateuco samaritano foi aclamado como superior ao Texto massorético. No entanto, depois de cuidadoso estudo, foi relegado a posição inferior. Só recentemente esse documento reobteve um pouco de sua antiga importância, ainda que seja considerado até hoje de menor im¬portância do que o texto massorético da lei. Os méritos do texto do Pentateuco samaritano podem ser avaliados pelo fato de apresentar apenas 6 000 variantes em relação ao Texto massorético, e em sua maior parte constituem diferenças ortográficas que se considerariam insignificantes. Há ali a afirmativa de que o monte Gerizim é o centro de adoração, e não a cidade de Jerusalém, com acréscimos aos relatos de Êxodo 20.2-17 e Deúteronômio 5.6-21. Às vezes, o Pentateuco samaritano e a Septuaginta concordam a respeito de uma redação que, todavia, é diferente do Texto massorético; provavelmente isso se deva a que aqueles trazem o texto original. No entanto, o Pentateuco samaritano reflete tendências culturais na ambientação hebraica, como inserções sectárias, repetições das ordens de Deus, impulsos no sentido de modernizar certas formas verbais antigas e tentativas de simplificar as partes mais difíceis da redação hebraica.

Os targuns aramaicos
A origem dos targuns. Há evidências de que os escribas, já nos tempos
de Esdras (Ne 8.1-8), estavam escrevendo paráfrases das Escrituras
hebraicas em aramaico. Não estavam produzindo traduções, mas textos
explicativos da linguagem arcaica da Torá. As pessoas que realizavam
esse trabalho de produzir paráfrases eram chamados methurgerman; desempenhavam papel importante na comunicação da palavra de Deus em língua hebraica (que aos ouvidos samaritanos soava tão exótica), na língua do dia-a-dia que o povo entendia bem. Antes do nascimento de Cristo, quase todos os livros do Antigo Testamento tinham suas paráfrases, ou interpretações (targuns). Ao longo dos séculos seguintes o targum foi sendo redigido até surgir um texto oficial.
Os mais antigos targuns aramaicos provavelmente foram escritos na Palestina, durante o século II d.C., embora haja evidências de alguns textos amaraicos de um período pré-cristão. Esses textos primitivos, oficiais do targum, continham a lei e os profetas, embora targuns de épocas posteriores também incluíssem outros escritos do Antigo Testamento. Vários targuns não-oficiais, em aramaico, foram encontrados nas cavernas de Qumran, cujos textos seriam substituídos pelos textos oficiais do século II d.C. Durante o século III, todos os exemplares do Targum palestino oficial, abrangendo a lei e os profetas, foram praticamente engolidos por outra família de paráfrases dos textos bíblicos, chamadas Targuns aramaico-babilônicos. As cópias do targum que contivessem os demais escritos sagrados, além da lei e dos profetas, continuavam a ser feitas extra-oficialmente.

Os targuns que mais se destacaram. Durante o século III d.C., surgiu na Babilónia um targum aramaico sobre a Torá. Possivelmente se tratava de uma versão corrigida de texto palestino antigo; mas também poderia ter se originado na Babilónia, tendo sido tradicionalmente atribuído a Onquelos (Ongelos), ainda que tal nome provavelmente resultasse de confusão com Áqúila.
O Targum de Jônatas ben Uzziel é outro targum babilónico em aramaico que acompanhava os profetas (os primeiros e os últimos). Data do século IV, sendo uma tradução mais livre do texto que a tradução de Onquelos. Esses targuns eram lidos nas sinagogas: o texto de Onquelos ao lado da Torá, que se liam em sua inteireza; Jônatas era lido ao lado de seleções dos profetas (haphtaroth, pl.). Visto que as demais partes do An¬tigo Testamento (escritos) não eram lidas nas sinagogas, não se produziu nenhum targum oficial, mas havia cópias não-oficiais usadas pelas pessoas de modo particular. Pelos meados do século VII, surgiu o Targum do pseudo-Jônatas, sobre o Pentateuco. Trata-se de uma mistura do Targum de Onquelos e alguns textos do Midrash. Outro targum apareceu ao redor do ano 700, o Targum de Jerusalém, do qual sobreviveu apenas um fragmento. Nenhum desses targuns é importante sob o aspecto do texto, mas todos provêem informações importantes para o estudo da hermenêutica, visto que indicam a maneira por que as Escrituras eram interpretadas pelos estudiosos rabínícos.

O Talmude e o Midrash
Surgiu um segundo período na tradição dos escribas do Antigo Testamento, entre 100 e 500 d.C, conhecido como o período talmúdico. O Talmude (lit., instrução) desenvolveu-se como um corpo da lei civil e canônica hebraica, com base na Torá. O Talmude basicamente representa as opiniões e as decisões de professores judeus de cerca de 300 a 500 d.C., consistindo em duas principais divisões: o Midrash e a Gemara. A Mishna (repetição, explicação) completou-se perto de 200 d.C., como se fora um digesto hebraico de todas as leis orais, desde o tempo de Moisés. Era altamente considerada como a segunda lei, sendo a Tora a primeira. A Gemara (término, finalização) era um comentário ampliado, em aramaico, da Mishna. Foi transmitida em duas tradições: a Gemara palestina (c. 200) e a Gemara babilônica, maior, dotada de mais autoridade (c. 500).
O Midrash (lit., estudo textual) na verdade era uma exposição formal, doutrinária e homilética das Sagradas Escrituras, redigida em hebraico, ou em aramaico. De mais ou menos 100 até 300 d.C., esses escritos foram reunidos num corpo textual a que se deu o nome de Halaka (procedimento), que era uma expansão adicional da Torá, e Hagada (declaração, explicação), ou comentários de todo o Antigo Testamento. O Midrash de fato diferia do Targum neste ponto: o Midrash eram comentários, em vez de paráfrases. O Midrash contém algumas das mais antigas homilias do Antigo Testamento, bem como alguns provérbios e parábolas, textos usados nas sinagogas,

Traduções siríacas
A língua siríaca (aramaico) de algumas partes do Antigo Testamento e até mesmo de alguns manuscritos do Novo Testamento, era comparável ao grego coiné e ao latim da Vulgata. O aramaico era a língua comum do povo nas ruas. Visto que os judeus da época do Senhor Jesus, sem dúvida alguma, falavam o aramaico, a língua daquela região toda, é razoável presumir que os judeus que moravam na vizinha Síria também falassem esse idioma. Por sinal, Josefo relata que os judeus do século I faziam proselitismo nas áreas a leste da antiga Nínive, perto de Arbela. Seguindo o exemplo deles, os primeiros cristãos partiram para a mesma área geográfica e prosseguiram até a Ásia Central, a índia e a China. A língua básica desse grande ramo do cristianismo era o siríaco, ou o que F. F. Bruce chamava "aramaico cristão". Uma vez que a igreja começou a mover-se, saindo da Síria, desenvolvendo seus esforços missionários, tornou-se premente a necessidade de uma versão da Bíblia especial para essa região.

Siríaca peshita. A Bíblia traduzida para o siríaco era comparável à Vulgata latina. Era conhecida como Peshita (lit., simples). O texto do Antigo Testamento da Peshita deriva de um texto surgido em meados do século II ou início do III, embora a designação Peshita date do século IX. É provável que o Antigo Testamento houvesse sido traduzido do hebraico, mas recebeu revisão a fim de conformar-se com a LXX. A Peshita segue o Texto massorético, supre excelente apoio textual, mas não é tão confiável, como testemunha independente do texto genuíno do Antigo Testamento.
Acredita-se que a edição padrão do Novo Testamento siríaco derive de uma revisão datada do século V, feita por Rabbula, bispo de Edessa (411-435). Sua revisão de fato se fez em manuscritos que continham versões siríacas, cujo texto foi alterado para aproximar-se mais dos manuscritos gregos que na época eram usados em Constantinopla (Bizâncio). Essa edição do Novo Testamento siríaco, mais a revisão cristã feita no Antigo Testamento siríaco, viria a ser conhecida como Peshita. Em obediência à ordem de Rabbula, segundo a qual um exemplar de sua revisão fosse colocado em cada igreja de sua diocese, a Peshita obteve ampla circulação de meados do século V até seu final. Em decorrência de sua atuação, a versão Peshita veio a tornar-se a versão autorizada dos dois ra¬mos principais do cristianismo siríaco, os nestorianos e os jacobitas.

Traduções gregas
Durante as campanhas de Alexandre, o Grande, os judeus foram alvo de considerável favor. À medida que ele avançava em suas conquistas, ia estabelecendo centros de populações e de administradores que cuidassem dos novos territórios que ia conquistando. Muitas dessas cidades receberam o nome de Alexandria, transformando-se em centros de cultura, em que os judeus recebiam tratamento preferencial. Assim como os judeus haviam abandonado sua língua materna, o hebraico, trocando-a pelo aramaico, no Oriente Próximo, abandonaram o aramaico a favor do grego, em cidades grandes como Alexandria, no Egito.
Logo após a morte de Alexandre, em 323 a.C, seu Império foi dividido pelos seus generais em várias dinastias. Os ptolomeus ficaram com o controle do Egito, os selêucidas dominaram a Ásia Menor, os antigonidas ficaram com a Macedônia, e surgiram, então, vários reinos de menor importância. No que diz respeito à Bíblia, a dinastia do Egito, sob os ptolomeus, é de importância primordial. Essa dinastia recebeu seu nome de Ptolomeu I Sóter, filho de Lago, governador de 323 a 305 e rei de então até sua morte, em 285. Foi sucedido por seu filho Ptolomeu II Filadelfo (285-246), que se casou com a irmã, Arsínoe, seguindo o costume dos faraós.
Durante o reinado de Ptolomeu II Filadelfo, os judeus receberam privilégios políticos e religiosos totais. Também foi durante esse tempo que o Egito passou por um tremendo programa cultural e educacional, sob o patrocínio de Arsínoe. Nesse programa, inclui-se a fundação do museu de Alexandria e a tradução das grandes obras para o grego. Entre as obras que começaram a ser traduzidas para o grego, nessa época, estava o Antigo Testamento hebraico. De fato, era a primeira vez que o Antigo Testamento estava sendo traduzido para outra língua, como dissemos anteriormente. Nosso tratamento agora gira em torno dessa tradução e de outras que a ela se relacionam.

A Septuaginta (LXX)
Os líderes do judaísmo em Alexandria produziram uma versão mo¬delar do Antigo Testamento em língua grega conhecida pelo nome de Septuaginta (LXX), palavra grega que significa setenta. Embora esse termo se aplique estritamente ao Pentateuco, que foi o único trecho da Bíblia hebraica que se traduziu totalmente durante o tempo de Ptolomeu II Filadelfo, essa palavra viria a denotar a tradução para o grego de todo o Antigo Testamento. A própria comunidade judaica, mais tarde, perdeu o interesse de preservar a sua versão grega, quando os cristãos começaram a usá-la extensivamente como seu Antigo Testamento. Exclusão fei¬ta ao Pentateuco, o resto do Antigo Testamento provavelmente foi traduzido durante os séculos II e III a.C. É certo que se tenha concluído antes de 150 a.C., porque a obra é discutida numa carta de Aristéias a Filócrates (c. 130-100 a.C.).
Essa carta de Aristéias relata como o bibliotecário de Alexandria persuadiu Ptolomeu a traduzir a Torá para o grego, para uso dos judeus dessa cidade. E prossegue, dizendo que seis tradutores de cada uma das doze tribos foram selecionados, terminando o trabalho em apenas 72 dias. Embora as minúcias desse acontecimento sejam pura ficção, pelo menos mostram que a tradução da Septuaginta para uso dos judeus alexandrinos é confiável.
A qualidade da tradução dos Setenta não é a mesma, uniformemente, em toda a obra, o que nos leva a várias observações básicas. Primeira: a LXX abrange desde transliterações literais, servis, da Tora, a traduções livres do texto hebraico. Segunda: deve ter havido um propósito em vista, para a produção da LXX, diferente dos propósitos da Bíblia hebraica. Esta, por exemplo, servia para leituras públicas nas sinagogas, enquanto a LXX apenas representaria uma obra especializada dos escribas. Terceira: a LXX foi um esforço pioneiro na tradução do texto do Antigo Testamento, e um excelente exemplo de tal empreendimento. Finalmente, a LXX de modo geral é fiel ao texto do Antigo Testamento hebraico, como dissemos antes.
No entanto, há uma questão grave no que concerne à Septuaginta: há passagens em que ela difere do Texto massorético, e outras em que os rolos
do mar Morto concordam com a Septuaginta, em oposição ao texto hebraico. Podem-se indicar várias passagens que sublinham essa constatação, como Deuteronômio 32.8, Êxodo 1.5, Isaías 7.14; Hebreus 1.6 (KJV), que cita Deuteronômio 32.43. Além disso, os rolos do mar Morto também contêm alguns dos livros e textos apócrifos do Antigo Testamento, como o salmo 151, só conhecidos mediante a LXX. A partir das evidências dessas variantes de vários textos, podemos observar três tradições básicas do Antigo Testamento: a massorética, a samaritana e a grega (LXX). Em geral o Texto massorético é o melhor, mas em várias passagens a LXX o supera. O Pentateuco samaritano reflete diferenças sectárias e culturais em relação ao texto hebraico, e a LXX é uma tradução, não um texto original. No entanto, quando ambos concordam entre si, contra o Texto massorético, é provável que reflitam o texto original.
É preciso lembrar, todavia, que a LXX em geral é fiel ao Texto massorético, como também são fiéis os rolos do mar Morto. Uma comparação das variantes num dado capítulo da Bíblia pode ilustrar isso. Em Isaías 53, e.g., temos 166 palavras, e entram em questão somente 17 letras. Dez dessas letras são simples questões de grafia, não influindo de modo algum no sentido da passagem. Outras quatro letras são o resultado de mudanças estilísticas de pouca monta, como conjunções acrescentadas pelos escribas. As três letras remanescentes compreendem uma única palavra, "luz", que se acrescenta ao versículo 11 sem influir muito no sentido. Essa palavra tem o apoio da LXX e do rolo do mar Morto IA isb. Esse exemplo é típico do manuscrito integral de Isaías A. Ele força o leitor a observar a confiabilidade do texto do Antigo Testamento de tal modo que reconheça que nem mesmo todas as variantes conseguem mudar nossa compreensão do ensino religioso da Bíblia.
Graças a essa qualidade, a importância da LXX é facilmente observável. Ela serviu de ponte religiosa sobre o abismo existente entre os judeus (de língua hebraica) e os demais povos (de língua grega), uma vez que atendia às necessidades dos judeus de Alexandria. A LXX serviu também para cobrir o lapso histórico que separava os judeus do Antigo Testamento dos judeus e dos cristãos de língua grega que adotaram a LXX como seu Antigo Testamento, usando-a ao lado do Novo Testamento. Além disso, a LXX representou um precedente importante para os missionários e para os estudiosos cristãos, para que produzissem traduções de toda a Bíblia em várias línguas e dialetos. Sob o aspecto textual, a LXX elimina o vazio que separava o Antigo Testamento hebraico dos grandes códices da igreja (Àlefe, A, B, c e outros). Ainda que a LXX não reflita a excelência do texto hebraico, pelo menos demonstra sua pureza.

Traduções latinas
O cristianismo ocidental produziu apenas uma grandiosa tradução da Bíblia, que foi transmitida ao longo de toda a Idade Média, a Vulgata latina, de Jerônimo. Desde que essa tradução emergiu e atingiu posição predominante, assim permaneceu, jamais desafiada, durante mil anos. Outros estudiosos já haviam traduzido as Escrituras para o latim, antes de Jerônimo, mas, a fim de obtermos uma compre¬ensão melhor de sua façanha, vamos examinar essas traduções anteriores.

Antiga latina
Antes de apresentar um retrato exato das traduções da Bíblia para o latim, precisamos entender o ambiente linguístico do mundo antigo em geral e do Império Romano em particular. Examinaremos os aspectos linguísticos e culturais da vida no mundo antigo mediante sua estrutura geográfica, antes de nos voltarmos para a tradução latina.

O Oriente Próximo
Os tesouros culturais do Oriente Próximo haviam sido variados, sob os aspectos linguístico, político e social, na época em que o Novo Testamento foi escrito. Em qualquer momento, nos tempos antigos, falavam se várias línguas na área ao redor da Palestina. Acompanhando a marcha das mudanças políticas da época, a língua oficial da região sofria alterações radicais. Os idiomas importantes das Escrituras foram tratado anteriormente, mas seus períodos de domínio precisam ser revistos, para que possamos ter boa perspectiva do processo geral da transmissão da Bíblia.

O aramaico. Logo após o cativeiro babilónico, o idioma oficial da Pa¬lestina era o aramaico. Era usado pelos escribas hebreus já nos dias de Esdras (Ne 8.1-8). Por sinal, foi em aramaico que se escreveram os targuns, durante o período Soferim (400 a.C-200 d.C), o Talmude e o Midrash, no período entre 100 a.C. e 500 d.C. Na época do Novo Testamento, o aramaico era a língua falada pelo povo, tendo sido a língua materna de Cristo e de seus discípulos.

O grego e o latim. Depois das campanhas de Alexandre, o Grande (335-323 a.C.), o grego tornou-se a língua oficial dentro dos limites do território conquistado. Grande parte desse território mais tarde seria incorporada pelo Império Romano, incluindo-se o Oriente Médio. Foi quando o grego prevaleceu como língua oficial tanto do Egito como da Síria, sob os impérios ptolemaico e selêucida, e também da Palestina, durante a independência hasmoneana (142-63 a.C.). Por ocasião da morte de Átalo III (133 a.C.), o reino de Pérgamo submeteu-se a Roma e, por volta de 63 a.C., todo o Oriente foi incorporado ao Império Romano. A língua latina acompanhou esse crescimento do Estado Romano e espalhou-se como idioma militar do Oriente Próximo.

A Grécia
Dialetos helênicos. Helénico é termo que se aplica à cultura grega da Era Clássica. Deriva da palavra grega que quer dizer Grécia: Hellas. Os vários dialetos helénicos (do grego) relacionam-se às três ondas de imigração que aportaram na parte sul da península dos Bálcãs, durante o II milénio a.C.: a imigração jônia, a acaica e dórica. Os jônios foram empurrados para o mar Egeu até a Jônia; outros gregos imigraram ou fundaram colónias no Oriente Próximo, no norte da África e até no sul da Itália e nas ilhas do Mediterrâneo. Ainda que os gregos se dividissem numa série de pequenos estados, estavam unidos pela língua comum em seus vários dialetos. O mais famoso desses dialetos era o ático, que chegou ao clímax quando se deu a unificação dos estados gregos, com o objetivo de fazer oposição aos persas (490-80 a.C.), sendo esses liderados por Dario I e seu filho Xerxes. Nos próximos cinquenta anos, o Império Ateniense ergueu a cultura grega a alturas gloriosas. A guerra do Peloponeso (431-404 a.C.) trouxe a derrota de Atenas; as cidades-estados gregas lutaram enquanto seguiam caminhos próprios. Filipe II, rei da Macedônia (359-336 a.C.), cedeu o trono ao filho, Alexandre (356-323 a.C.), que viria a transformar em realidade o sonho do pai de voltar a reunir os gregos, ao esmagar as revoltas em 335. Com sua ascensão, surge a era helenística.

O grego helenístico. A cultura helênica pertencia aos povos de língua grega. A cultura helenística, por sua vez, era imposta aos povos cuja lingua materna não era o grego, após as conquistas de Alexandre, o Grande. Esse avanço intencional da cultura e da civilização grega usou como língua básica uma forma linguística nova, mas comum (o koinê dialektos), que derivava da mistura de vários dialetos gregos, conquanto primordialmente derivasse do ático. Durante vários séculos, desde a morte de Alexandre, o coiné haveria de tornar-se a língua oficial do Oriente Próximo e do Egito, bem como da Grécia e da Macedônia. Aliás, foi nesse dialeto que se fez a tradução do Antigo Testamento, a Septuaginta, ou LXX, em Alexandria. À medida que os romanos iam penetrando a Grécia e o Oriente Médio, e de modo especial após a batalha do Ácio (31 a.C.), o latim passou a ser a língua usada pelos militares, pelo fato de a república romana transformar-se em Império Romano sob o comando de Otaviano. Embora os gregos continuassem a despender suas energias em atividades independentes, já não estavam mais na posição de liderança no mundo antigo.

A Itália
A partir do século I a.C., verdadeiramente todos os caminhos iam dar em Roma. Ali estava o maior império que o Ocidente já havia visto. Seu progresso foi contínuo, a partir do século X a.C., quando nem mesmo Roma havia sido fundada (c. 753). Por volta de 509 a.C. os reis tarqüínios foram expulsos da cidade, e nasceu a República Romana. Dessa época em diante, a principal cidade do Lácio e suas aliadas começaram a crescer, atingindo enormes dimensões territoriais ao longo do rio Tibre e controlando a maior parte da península Itálica (c. 265); o latim tornou-se a língua comum do povo. De 264 a 146 a.C., Roma esteve em conflito com Cartago, colónia africana da Fenícia, o que resultou nas guerras púnicas. Antes ainda de tais guerras cessarem, Roma invadiu a área oriental do Mediterrâneo, a Ilíria e a Macedônia (c. 229-148). Por volta de 148 a.C., a Macedônia tornou-se província romana e, em 133, Átalo III entregou seu reino (Pérgamo) a Roma. A presença intrusa dos soldados romanos no Oriente Próximo fez que o latim se tornasse a língua militar e comercial (embora não a língua oficial) do Oriente.
Na Itália, de modo especial em Roma, o povo era bilíngue. A língua literária das pessoas das classes mais elevadas era o grego, e até mesmo a literatura latina seguia os padrões gregos. Embora tanto os escravos como as pessoas livres fossem bilíngues, a língua militar e comercial era o latim. Durante os primeiros anos da igreja, os cristãos de Roma em geral falavam grego, como demonstram as cartas de Paulo e as de Clemente. Só mais tarde é que os cristãos romanos começaram a usar o latim como língua de comunicação escrita. Durante os séculos IV e V, as tribos germânicas usavam o latim em vez do grego, mais literário, como veículo de comunicação. Pode-se entender isso com facilidade, se nos lembrarmos de que as tribos germânicas entraram em contato mais imediato com as legiões romanas e com os mercadores, muito antes de conhece¬rem a literatura latina.

A África
As línguas básicas do norte da África eram o grego e o latim. O grego era usado no Egito, sob os ptolomeus, sendo Alexandria o centro das traduções do Antigo Testamento hebraico e de outras obras para o grego. Mais longe, a oeste, o latim tornou-se a língua básica do Império Romano, visto que essa região ficou sob a influência dos contatos administrativos, comerciais e militares, antes até das guerras púnicas. O latim viria a ser a língua materna de alguns escritores cristãos como Tertuliano (que escreveu tanto em grego como em latim), Cipriano e outros. A igreja primitiva dentro do Império Romano usava o grego como língua literária, e só mais tarde passaria a usar o latim e outras línguas, porque essas se tornaram necessárias e amplamente divulgadas.

As traduções para o latim antigo
Embora o latim fosse a língua oficial, a língua comum do Ocidente, o grego manteve sua posição de língua literária de Roma e do Ocidente até o século III. Ao redor dessa época, as traduções das Escrituras Sagradas para o latim antigo já estavam circulando no norte da África e na Europa, o que indicava que os cristãos começaram (no século II) a expressar o desejo de uma tradução da Bíblia para o latim.

O Antigo Testamento. Uma das mais antigas traduções conhecidas das Escrituras hebraicas, no Ocidente, foi aquela conhecida pela alcunha de Antiga latina, redigida antes de 200 d.C. Era uma tradução feita a partir da LXX, no norte da África, tendo sofrido certa influência judaica. Essa tradução latina foi largamente usada e citada no norte da África. Teria sido esse o Antigo Testamento usado por Tertuliano e por Cipriano no século II. Houve, segundo parece, acréscimo póstumo dos apócrifos não revistos dessa tradução à Vulgata de Jerônimo (Antigo Testamento lati¬no). A não ser pelas citações e pelos fragmentos que chegaram até nós dos manuscritos da Antiga latina, nada mais sobrou dessa obra. Seu valor para o crítico textual de nossos dias é quase nulo.

O Novo Testamento. A versão do Novo Testamento também chamada Antiga latina é assunto completamente diferente. Sobreviveram dessa obra cerca de 27 manuscritos dos evangelhos, mais 7 do livro de Atos, 6 das cartas paulinas e alguns fragmentos das cartas gerais e do Apocalipse. Tais manuscritos datam do século IV até o XIII, não existindo, porém, nenhuma cópia do códice. Esse fato mostra que a Antiga latina continuou a ser copiada muito tempo depois de haver sido desalojada pela Vulgata.
O Novo Testamento da Antiga latina, de data muito antiga, constitui um dos mais valiosos testemunhos documentais das condições do Novo Testamento no Ocidente. É representado por dois, possivelmente três, diferentes textos. O texto africano era usado por Tertuliano e por Cipriano; um texto europeu aparece nos escritos de Ireneu e de Novaciano; e um texto itálico (ítala) é mencionado nas obras de Agostinho. Em vez de considerar o texto de Agostinho o precursor da Vulgata, a tendência recente tem sido considerá-lo simples referência à Vulgata. Se for esse o caso, haveria apenas dois textos diferentes do Novo Testamento na Antiga latina.
O texto africano reflete-se no Códice bobiense (k); é uma tradução tosca e livre do texto grego, datando do século II. O texto europeu é representado por dois códices: o Códice vercelense (a), escrito por Eusébio de Vercelli, morto em 370-371, e o Códice veronense (b), que serviu de base para a Vulgata latina.

A Vulgata latina
Os numerosos textos da Antiga latina que apareceram ao redor da segunda metade do século IV induziram a uma situação intolerável. Em virtude desse problema, Dâmaso, bispo de Roma (366-384), providen¬ciou uma revisão do texto da Antiga latina. O resultado desse esforço chama-se Vulgata latina.

O propósito da tradução
Dâmaso de Roma demonstrou profundo interesse pelas Escrituras, bem como pelos estudiosos de quem se tornara amigo e a quem patrocinava. Estava perfeitamente ciente da diversidade de versões, traduções, revisões e recensões bíblicas no século IV, e acreditava estar fazendo falta uma nova versão autorizada das Escrituras latinas.

Confusão de textos latinos. Como dissemos anteriormente, havia muita confusão a respeito dos textos latinos da Bíblia. Tal diversidade advinha do fato de o Antigo Testamento latino ser na verdade uma tradução da LXX; o Novo Testamento havia sido traduzido em ocasiões informais, não-oficiais. Exemplo disso pode-se ver na tradução latina usada por Tertuliano. Ele era bilíngue, capacitado para ler e escrever em grego e em latim; usava o texto africano da Antiga latina até fazer sua própria tradução. Não havia fim para os problemas causados por tais traduções relâmpagos, de modo especial se outras pessoas tentassem comparar a autoridade textual subjacente à obra de Tertuliano.
As muitas traduções então existentes. Havia inúmeras traduções das Escrituras, mas o latim tornava-se rapidamente a língua oficial da igreja. Além das traduções mencionadas antes, houve dois textos básicos da Antiga latina no Ocidente. Não era de admirar que Dâmaso desejasse uma tradução nova, autorizada, sobre a qual se poderiam basear as doutrinas oficiais da igreja.

Heresias e controvérsias. Dentro do Império Romano passou a existir muitas controvérsias entre cristãos e judeus. Até mesmo dentro da igreja houve inúmeras controvérsias, logo depois do surgimento de grupos heréticos como os marcionitas, os maniqueus e os montanistas, que baseavam suas doutrinas em seus próprios cânones e traduções de livros da Bíblia. A controvérsia ariana ocasionou o Concílio de Nicéia (325), o de Constantinopla i (381) e o de Éfeso (431). A controvérsia em torno da tradução do Antigo Testamento por Jerônimo com base no original hebraico reflete não só os conflitos entre cristãos e judeus, mas a crença mais problemática ainda sustentada por muitos líderes cristãos, dos quais Agostinho, segundo a qual a LXX era verdadeiramente a Palavra inspirada, inerrante, da parte de Deus, em vez de mera tradução não-inspirada baseada em originais hebraicos.

A necessidade de um texto modelar. Havia outros fatores que exigiam uma tradução nova, autorizada: dentre esses, a exigência dos estudiosos de um texto modelar, autorizado e confiável, que fosse o veículo das atividades didáticas da igreja, de seus programas missionários e de sua defesa das doutrinas estabelecidas nos grandes concílios. A transmissão de exemplares das Escrituras às igrejas do Império exigia um texto digno da máxima confiança (fidedigno), mas essa situação real sublinhava tal exigência e necessidade.

O autor da Vulgata latina
Sofrônio Eusébio Jerônimo (c. 340-420) nascera de pais cristãos, em Estridão, na Dalmácia. Havia sido educado na escola local até sua ida a Roma, com a idade de doze anos. Durante os oito anos seguintes, Jerônimo estudou latim, grego e autores pagãos, antes de tornar-se cristão, com a idade de dezenove anos. Logo após sua conversão e batismo, Jerônimo devotou-se a uma vida de rígida abstinência e de serviço ao Senhor. Passou muitos anos perseguindo uma vida semi-ascética de eremita. De 374 a 379, empregara um rabino judeu para que lhe ensinasse o hebraico, enquanto estivesse residindo no Oriente, perto de Antioquia. Foi ordenado presbítero em Antioquia antes de partir para Constantinopla, onde passou a estudar sob a orientação de Gregório de Nazianzo. Em 382, foi convocado por Roma para ser secretário de Dâmaso, bispo de Roma, e nomeado membro de uma comissão para revisar a Bíblia latina. É provável que Jerônimo tenha aceitado o projeto em virtude de sua devoção a Dâmaso, pois sabia que as pessoas de menor instrução se oporiam fortemente a sua tradução.

A data e o lugar da tradução
Jerônimo recebeu a incumbência em 382 e iniciou seu trabalho quase imediatamente. A pedido de Dâmaso, introduziu uma ligeira revisão nos evangelhos, completada em 383. Não se sabe qual teria sido o texto latino que ele usou para fazer sua revisão; provavelmente teria sido do tipo europeu, o qual ele corrigiu de acordo com o texto grego do tipo alexandrino. Logo após ter terminado a revisão dos evangelhos, morre-lhe o mecenas (384), tendo sido eleito novo bispo de Roma. Jerônimo, que aspirava a esse cargo, já havia terminado uma revisão rápida do chamado Saltério romano quando regressou ao Oriente e se estabeleceu em Belém. No entanto, após sua partida, fez uma revisão mais superficial ainda do resto do Novo Testamento. Por ser desconhecida a data dessa revisão, alguns estudiosos acreditam que nem sequer ele mesmo fez o trabalho.
De volta a Belém, Jerônimo voltou sua atenção a uma revisão mais cuidadosa do Saltério romano, que completou em 387. Essa revisão é conhecida como Saltério galileu, empregado atualmente no Antigo Testamento da Vulgata. Baseou-se de fato nos Héxapla de Orígenes, a quinta coluna, sendo mera tradução dos Salmos. Tão logo havia terminado sua revisão dos Salmos, Jerônimo iniciou a revisão da LXX, embora esse trabalho não fizesse parte de seus objetivos iniciais. Estando em Belém, Jerônimo havia iniciado seu trabalho de aperfeiçoar seus conhecimentos do hebraico, de modo que pudesse executar uma nova tradução do Antigo Testamento diretamente das línguas originais.
Os amigos ao redor aplaudiram seus esforços, mas outros, muito longe, começaram a suspeitar que Jerônimo estaria judaizando; alguns se enfureceram quando Jerônimo lançou dúvidas sobre a "inspiração da Septuaginta". A partir dessa época, ele se tornou mais envolvido com sua tradução e com a supervisão dos monges de Belém. Traduziu o Saltério hebraico com base no texto hebraico usado na época, na Palestina. Na verdade, sua tradução jamais suplantou o Saltério galileu, nem o Saltério romano, no uso litúrgico, embora fosse calcada nas línguas originais e não em traduções. Jerônimo continuou a traduzir as Escrituras hebraicas a despeito da oposição e da saúde precária. Finalmente, em 405, completou sua tradução latina do Antigo Testamento hebraico, que não recebeu boa acolhida de imediato. Nos últimos quinze anos de vida, Jerônimo continuou escrevendo, traduzindo e revisando sua tradução do Antigo Testamento.
Jerônimo pouca atenção deu aos apócrifos; só com grande relutância produziu uma tradução apressada de algumas passagens de Judite, de Tobias e do resto de Ester, mais as adições de Daniel — antes de morrer. O resultado foi que a versão dos livros apócrifos, pertencente à Antiga latina, foi adicionada à Bíblia chamada Vulgata latina na Idade Média, sobre o cadáver de Jerônimo.

As traduções da Bíblia para o inglês moderno
A Bíblia é o livro mais divulgado do mundo. Uma das evidências mais fortes disso é o grande número de traduções e a variedade de línguas para as quais já foi traduzida. A Bíblia inteira já foi traduzida para mais de duzentas línguas, e partes dela aparecem em mais de mil línguas e dialetos. Essas traduções ilustram amplamente o elo definitivo na cadeia que provém de Deus para nós, mas nossa principal preocupação e atenção estão agora dirigidas à tradução da Bíblia para o inglês. Nosso levantamento estará centrado nas traduções com base nas Bíblias de Rheims-Douai e do rei Tiago, de fins do século XV e começos do XVI.

As traduções e as versões protestantes
Seguindo o princípio da Reforma de interpretação particular, os protestantes produziram um número maior de traduções particulares da Bíblia do que os católicos romanos. Algumas das primeiras traduções derivaram das descobertas de novos materiais manuscritos, visto que nenhum dos grandes manuscritos tinha sido descoberto na época da tradução do rei Tiago, exceto o Códice Beza (D), muito pouco usa¬do. Antes de examinar essas traduções particulares, devemos deter-nos em algumas das tentativas oficiais de fazer a Bíblia do rei Tiago alinhar-se com as descobertas dos manuscritos.

A Bíblia inglesa revisada
Todas as revisões da Bíblia do rei Tiago foram feitas sem autorização oficial eclesiástica ou real. Aliás, nenhuma revisão oficial dessa Bíblia foi apresentada por mais de um século depois do trabalho do dr. Blayney (1769). Algumas das revisões que chegaram a ser publicadas foram de imprudentes, com adições como a cronologia de Ussher. Não obstante, houve algumas revisões excelentes de caráter não-oficial, como no caso de uma edição anônima de A Bíblia Sagrada contendo a Versão autorizada do Antigo e do Novo Testamento, com muitas emendas (1841). No prefácio dessa revisão não-oficial da Bíblia do rei Tiago, o autor menciona ter usado manuscritos ainda não disponíveis em 1611.
Com as melhorias entre os estudiosos da Bíblia durante o século XIX, incluindo-se o acúmulo de manuscritos mais antigos e melhores, com as
descobertas arqueológicas no mundo antigo como um todo, e com as mu-danças na sociedade inglesa e na sua língua, a revisão da Bíblia do rei Tiago de caráter mais "oficial" tornava-se obrigatória. Antes que isso pudesse ser realizado, entretanto, um grupo de estudiosos notáveis publicou a “Edição variorum do Novo Testamento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (1880). Os organizadores dessa obra, R. L. Clark, Alfred Goodwin e W. Sanday, fizeram essa revisão por "ordem especial de sua majestade". Eles tiveram a tarefa de revisar a Bíblia do rei Tiago à luz das várias leituras das melhores autoridades em textos. Por conseguinte, a Bíblia variorum seguiu a tradição de Tyndale, de Coverdale, da Grande Bíblia, da Bíblia de Genebra, da Bíblia dos bispos e das várias edições da Bíblia do rei Tiago. Além disso, ela preparou o caminho para a Bíblia inglesa revisada.
O desejo muito difundido de uma revisão plena da Bíblia autorizada resultou numa convocação da Província da Cantuária em 1870. Samuel Wilberforce, bispo de Winchester, propôs revisar o Novo Testamento em que os textos gregos revelassem traduções inexatas ou incorretas no texto do rei Tiago. O bispo Ollivant ampliou a proposta e incluiu o Antigo Testamento e os textos hebraicos. Por consequência, dois grupos foram nomeados. Originariamente havia 24 membros em cada grupo, mas foram mais tarde ampliados para cerca de 65 revisores de diversas denominações. Esses grupos começaram a trabalhar em 1871, e em 1872 um grupo de estudiosos americanos foi convidado a participar do empreendimento em caráter consultivo. As editoras das Universidades de Oxford e de Cambridge assumiram os custos do projeto sob a condição de lhes serem dados privilégios autorais exclusivos do produto pronto. Mais de três milhões de exemplares da revisão foram vendidos nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha em menos de um ano. O Antigo Testamento foi lançado em 1885, os livros apócrifos em 1896 (1898 nos Estados Unidos) e a Bíblia completa foi publicada em 1898. Embora o texto da revisão fosse muito mais exato que o da Bíblia do rei Tiago, levaria diversas gerações para que as alterações nas palavras e nos ritmos fossem aceitas.
Parte da tradução da Bíblia inglesa revisada não satisfez completamente à junta americana de revisão, mas seus membros haviam concordado em não dar por catorze anos "nenhuma sanção à publicação de qualquer outra edição da Versão revisada que não fosse a publicada pelas editoras daquelas universidades inglesas". Em 1901, foi publicada a Edição padrão americana da Versão revisada, denunciando a existência de algumas edi¬ções não-autorizadas ou não-padronizadas dessa versão, publicadas antes daquela época. Outras revisões foram feitas pela junta americana, como a mudança dos nomes "Senhor" para "Jeová" e "Holy Ghost" [Es¬pírito Santo] para "Holy Spirit" [Espírito Santo]. As estruturas dos paragrafos foram revisadas e abreviadas, e breves cabeçalhos foram acres¬centados. Aos poucos, a Versão padrão americana (ASV) ganhou aceitação nos Estados Unidos e começou até a ser importada pela Grã-Bretanha.
Como a sua equivalente inglesa, a ASV perde a beleza da Bíblia do rei Tiago, mas suas interpretações mais corretas têm-na tornado muito aceitável por parte de professores e estudantes da Bíblia. Em 1929, os direitos autorais passaram para o Concílio Internacional de Educação Religiosa, que fez nova revisão do texto. Como as traduções anteriores, que erigiam seu trabalho sobre o alicerce deixado por William Tyndale, a ASV foi a obra de muitas mãos e diversas gerações.

A Bíblia padrão revisada
Meio século depois que a revisão inglesa da Bíblia do rei Tiago foi publicada, o Concílio Internacional de Educação Religiosa expressou seu desejo de utilizar as grandes melhorias advindas recentemente dos estudiosos da Bíblia. O texto de Westcott e de Hort do Novo Testamento fora incisivamente modificado por conta das descobertas de papiros e de novos manuscritos. Ademais, o estilo e o gosto literário da língua inglesa continuavam a mudar, de modo que uma nova revisão se considerou necessária. Em 1937, o Concílio Internacional autorizou uma junta a empreender essa revisão.
A junta da revisão se constituiu de 22 estudiosos notáveis que deveriam seguir o significado da Versão padrão americana (RSV), a menos que dois terços da junta concordassem em mudar a interpretação. Foram usados como parâmetros o emprego das formas mais simples e mais atuais dos pronomes, salvo em referência a Deus, e também a ordem mais direta das palavras. Atrasado pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o Novo Testamento não surgiu senão em 1946, com o Antigo sendo publicado em 1952 e os livros apócrifos em 1957. Essas publicações foram lançadas após tremenda campanha de publicidade que pôs em movimento reações quase previsíveis. Em contraposição à Versão padrão americana, a Versão padrão revisada foi acusada de velar passagens messiânicas tradicionais, como no caso da substituição de "virgem" por "uma jovem", em Isaías 7.14. As críticas ao Novo Testamento não foram tão contundentes, embora fossem contundentes o bastante. Não obstante todas as críticas, a Versão padrão revisada fornece à igreja de fala inglesa uma revisão atualizada da Bíblia baseada no "texto crítico".

A Nova Bíblia inglesa
Não satisfeita com a idéia de que a Versão padrão revisada fosse uma continuação da antiga tradição das primeiras traduções da Bíblia inglesa, a Assembleia Geral da Igreja da Escócia reuniu-se em 1946 a fim de deliberar sobre uma tradução completamente nova. Uma junta comum foi designada em 1947, e três grupos foram escolhidos: um para o Antigo Testamento, um para o Novo e um para os livros apócrifos. C. H. Dodd foi nomeado presidente do grupo especializado em Novo Testamento e, em 1949, foi nomeado diretor de toda a tradução. O Novo Testamento da Nova Bíblia inglesa surgiu em 1961, com o Antigo Testamento e os livros apócrifos sendo publicados em 1970.
Os princípios de tradução da Nova Bíblia inglesa buscaram apresentar um idioma inglês que fosse "perpétuo", evitando tanto os anacronismos quanto os modernismos efêmeros. Os tradutores procuraram tornar essa versão simples o suficiente para trasmitir seu significado sem ser árida nem vulgar, pois esperavam produzir uma tradução que fosse uma segunda versão fidedigna, a par da Bíblia do rei Tiago.
Mais de quatro milhões de exemplares da Nova Bíblia inglesa foram vendidos durante o primeiro ano de publicação. Diferindo bastante tanto da Versão inglesa revisada quanto da Versão padrão revisada, que a precederam, seus tradutores frequentemente deixavam de lado as traduções literais do texto, especialmente quando achavam que o texto permitia duas possíveis interpretações. Além disso, a Nova Bíblia inglesa tem sido criticada por seus anglicismos e por sua concentração sobre a inteligibilidade e não sobre a literalidade do significado, bem como pela reorganização crítica de algumas seções do Antigo Testamento. Isso indubitavelmente reflete a influência da teologia contemporânea por intermédio dos tradutores. Considerando-se todas as coisas, entretanto, essa tradução continuou a tradição de seus antepassados ingleses e é uma obra valiosa em si mesma.

A Nova Bíblia padrão americanaDurante a década de 1960, tentou-se fazer mais uma revisão da Versão padrão americana. Esse esforço foi empreendido pela Fundação Lockman, na tentativa de reviver, bem como revisar aquela versão. A junta de tradução declarou seu propósito quádruplo no prefácio que acompanha o Novo Testamento (1963). Em 1970, a Bíblia toda foi publicada seguindo o mesmo objetivo quádruplo. Eles buscaram ser fiéis aos textos hebraicos e gregos originais, ser gramaticalmente corretos, ser compreensíveis para as massas e dar o devido lugar ao Senhor Jesus Cristo.
Os tradutores da Nova Bíblia padrão americana (NASV) tentaram renovar a Versão padrão americana, a "rocha da veracidade bíblica". Embora não tenham chegado aos pés da obra literária de outras versões modelares, no processo de tradução, produziram uma herdeira útil e fiel da Versão padrão americana. Outra tradução mais ou menos oficial foi recentemente efetuada sob os auspícios da Sociedade Bíblica de Nova Iorque. Intitula-se Bíblia Sagrada: nova versão internacional. A parte do Novo Testamento foi lançada em 1973, e o Antigo Testamento foi lançado em 1976.

As traduções para o português
Agora, procuraremos apresentar um breve histórico da tradução da Bíblia em português, tanto em Portugal quanto no Brasil.

Período das traduções parciais
"Venturoso" ou "Bem-Aventurado". A despeito desse título ter sido atribuído a D. Manuel como o principal incentivador das grandes navegações, mais bem-aventurado que esse rei português foi um de seus antecessores, D. Diniz (1279-1325), por ter sido a primeira pessoa a traduzir para a língua portuguesa o texto bíblico, tornando assim possível a futura grande navegação dos leitores de língua portuguesa pelo imenso mar da Palavra de Deus.
Grande conhecedor do latim clássico e leitor da Vulgata, D. Diniz, resolveu enriquecer o português, traduzindo as Sagradas Escrituras para o nosso idioma, tomando como base a Vulgata latina. Embora lhe faltasse perseverança e só conseguisse traduzir os vinte primeiros capítulos do livro de Génesis, esse seu esforço o colocou em uma posição historiemente anterior a alguns dos primeiros tradutores da Bíblia para outros idiomas, como João Wycliffe por exemplo, que só em 1380 traduziu as Escrituras para o inglês.
Fernão Lopes afirmou em seu curioso estilo de cronista do século XV, que d. João I (1385-1433), um dos sucessores de d. Diniz ao trono português, fez grandes letrados tirar em linguagem os Evangelhos, os Atos dos Apóstolos e as epístolas de Paulo, para que aqueles que os ouvissem fossem mais devotos acerca da lei de Deus (Crónica de d. João I, segunda parte). Esses "grandes letrados" eram vários padres que também se utilizaram da Vulgata latina em seu trabalho de tradução.
Enquanto esses padres trabalhavam, d. João I, também conhecedor do latim, traduziu o livro de Salmos, que foi reunido aos livros do Novo Testamento traduzidos pelos padres. Seu sucessor, d. João II, outro grande defensor das traduções do texto bíblico, mandou gravar no seu cetro a parte final do versículo 31 de Romanos 8: "Se Deus é por nós, quem será contra nós?", atestando assim quanto os soberanos portugueses reverenciavam a Bíblia.
Como nessa época a imprensa ainda não havia sido inventada, os livros eram produzidos em forma manuscrita, fazendo-se uso de folhas de pergaminho. Isso tornava sua circulação extremamente reduzida. Por ser trabalho lento e caro, era necessário que, ou a Igreja Romana, ou alguém muito rico assumisse os custos do projeto. Ninguém mais indicado para isso que os nobres e os reis.
Outras figuras da monarquia de Portugal também realizaram traduções parciais da Bíblia. A neta do rei d. João I e filha do infante d. Pedro, a infanta d. Filipa, traduziu do francês os evangelhos. No século XV surgiram publicados em Lisboa o evangelho de Mateus e trechos dos demais evangelhos, trabalho realizado pelo frei Bernardo de Alcobaça, que pertenceu à grande escola de tradutores portugueses da Real Abadia de Alcobaça. Ele baseou suas traduções na Vulgata latina.
A primeira harmonia dos evangelhos em língua portuguesa, preparada em 1495 pelo cronista Valentim Fernandes e intitulada “De Vita Christi”, teve os seus custos de publicação pagos pela rainha dona Leonora, espo¬sa de d. João II. Cinco anos após o descobrimento do Brasil, dona Leonora mandou também imprimir o livro de Atos dos Apóstolos e as epístolas universais de Tiago, de Pedro, de João e de Judas, que haviam sido traduzidos do latim vários anos antes por frei Bernardo de Brinega.
Em 1566 foi publicada em Lisboa uma gramática hebraica para estudantes portugueses. Ela trazia em português, como texto básico, o livro de Obadias.

Outras traduções
Outras traduções em língua portuguesa, realizadas em Portugal, são dignas de menção:
Os quatro evangelhos, traduzidos em elegante português pelo padre jesuíta Luiz Brandão.
No inicio do srculo XIX, o padre António Ribeiro dos Santos traduziu os Evangelhos de Mateus e de Marcos, ainda hoje inéditos.
É fundamental salientar que todas essas obras sofreram, ao longo dos séculos, implacável perseguição da Igreja Romana, e de muitas delas só escaparam um ou dois exemplares, hoje raríssimos. A Igreja Romana também amaldiçoou a todos os que conservassem consigo essas "traduções da Bíblia em idioma vulgar", conforme as denominavam.

Período das traduções completas
Tradução de Almeida
Coube a João Ferreira de Almeida a grandiosa tarefa de traduzir pela primeira vez para o português o Antigo e o Novo Testamento. Nascido em 1628, em Torre de Tavares, nas proximidades de Lisboa, João Ferreira de Almeida, quando tinha doze anos de idade, mudou-se para o sudeste da Ásia. Após viver dois anos na Batávia (atual Jacarta), na ilha de Java, Indonésia, Almeida partiu para Málaca, na Malásia, e lá, pela leitura de um folheto em espanhol acerca das diferenças da cristandade, converteu-se do catolicismo à fé evangélica. No ano seguinte, começou a pregar o evangelho no Ceilão (hoje Sri Lanka) e em muitos pontos da costa de Malabar.
Não tinha ele ainda dezessete anos de idade quando iniciou o trabalho de tradução da Bíblia para o português, mas lamentavelmente perdeu o seu manuscrito e teve de reiniciar a tradução em 1648.
Por conhecer o hebraico e o grego, Almeida pôde utilizar-se dos manuscritos dessas línguas, calcando sua tradução no chamado Texto receptus, do grupo bizantino. Durante esse exaustivo e criterioso trabalho, ele também se serviu das traduções holandesa, francesa (tradução de Beza), italiana, espanhola e latina (Vulgata),
Em 1676, João Ferreira de Almeida concluiu a tradução do Novo Testamento, e naquele mesmo ano remeteu o manuscrito para ser impresso na Batávia; todavia, o lento trabalho de revisão a que a tradução foi submetida levou Almeida a retomá-la e enviá-la para ser impressa em Amsterdã, na Holanda. Finalmente, em 1681 surgiu o primeiro Novo Testamento em português, trazendo no frontispício os seguintes dizeres, que transcrevemos ipsis litteris:

“O Novo Testamento, isto he, Todos os Sacro Sanctos Livros e Escritos Evangélicos e Apostólicos do Novo- Concerto de Nosso Fiel Salvador e Redentor lesu Cristo, agora traduzido em português por João Ferreira de Almeida, ministro pregador do Sancto Evangelho. Com todas as licenças necessárias. Em Amsterdam, por Viuva de J. V. Someren. Anno 1681”.

Milhares de erros foram detectados nesse Novo Testamento de Almeida, muitos deles produzidos pela comissão de eruditos que tentou harmonizar o texto português com a tradução holandesa de 1637. O próprio Almeida identificou mais de dois mil erros nessa tradução, e outro revisor, Ribeiro dos Santos, afirmou ter encontrado número bem maior.
Logo após a publicação do Novo Testamento, Almeida iniciou a tradução do Antigo, e, ao falecer, em 6 de agosto de 1691, havia traduzido até Ezequiel 41.21. Em 1748, o pastor Jacobus op den Akker, de Batávia, reiniciou o trabalho interrompido por Almeida, e cinco anos depois, em 1753, foi impressa a primeira Bíblia completa em português, em dois volumes. Estava, portanto concluído o inestimável trabalho de tradução da Bíblia por João Ferreira de Almeida.
Apesar dos erros iniciais, ao longo dos anos estudiosos evangélicos têm depurado a obra de Almeida, tornando-a a preferida dos leitores de fala portuguesa.

A Bíblia de Rahmeyer
Tradução completa da Bíblia, ainda hoje inédita, feita em meados do século XVIII pelo comerciante hamburguês Pedro Rahmeyer, que residiu em Lisboa por 30 anos. O manuscrito dessa Bíblia se encontra na Biblioteca do Senado de Hamburgo, na Alemanha.

Tradução de Figueiredo
Nascido em 1725, em Tomar, nas proximidades de Lisboa, o padre António Pereira de Figueiredo, partindo da Vulgata latina, traduziu integralmente o Novo e o Antigo Testamento, gastando dezoito anos nessa laboriosa tarefa. A primeira edição do Novo Testamento saiu em 1778, em seis volumes. Quanto ao Antigo, os dezessete volumes de sua primeira edição foram publicados de 1783 a 1790. Em 1819 veio à luz a Bíblia completa de Figueiredo, em sete volumes, e em 1821 ela foi publicada pela primeira vez em um só volume.
Figueiredo incluiu em sua tradução os chamados livros apócrifos que o Concílio de Trento havia acrescentado aos livros canônicos em 8 de abril de 1546. Esse fato tem contribuído para que a sua Bíblia seja ainda hoje apreciada pelos católicos romanos nos países de fala portuguesa.
Na condição de exímio filólogo e latinista, Figueiredo pôde utilizar-se de um estilo sublime e grandiloqüente, e seu trabalho resultou em um verdadeiro monumento da prosa portuguesa. Porém, por não conhecer
as línguas originais e ter se baseado tão-somente na Vulgata, sua tradução não tem suplantado em preferência popular o texto de Almeida.

A Bíblia no Brasil
Traduções parciais
Nazaré. Em 1847 publicou-se, em São Luís do Maranhão, O Novo Testamento, traduzido por frei Joaquim de Nossa Senhora de Nazaré, que se baseou na Vulgata. Esse foi, portanto, o primeiro texto bíblico traduzido no Brasil. Essa tradução tornou-se famosa por trazer em seu prefácio pesadas acusações contra as "Bíblias protestantes, que, segundo os acusadores, estariam falsificadas e falavam contra Jesus Cristo e contra tudo quanto há de bom".
Em 1879, a Sociedade de Literatura Religiosa e Moral do Rio de Janeiro publicou o que ficou conhecida como A primeira edição brasileira do Novo Testamento de Almeida. Essa versão foi revista por José Manoel Garcia, lente do Colégio D. Pedro II, pelo pastor M. P. B. de Carvalhosa, de Campos, Rio de Janeiro, e pelo primeiro agente da Sociedade Bíblica Americana no Brasil, pastor Alexandre Blackford, ministro do evangelho no Rio de Janeiro.
Harpa de Israel foi o título que o notável hebraísta P. R. dos Santos Saraiva deu à sua tradução dos Salmos publicada em 1898.
Em 1909, o padre Santana publicou sua tradução do Evangelho de Mateus, vertida diretamente do grego. Três anos depois, Basílio Teles publicou a tradução do Livro de Jó, com sangrias poéticas. Em 1917, foi a vez de J. L. Assunção publicar o Novo Testamento, tradução baseada na Vulgata latina.
Traduzido do velho idioma etíope por Esteves Pereira, o livro de Amós surgiu isoladamente no Brasil em 1917. Seis anos depois, J. Basílio Pereira publicou a tradução do Novo Testamento e do Livro dos Salmos, ambos baseados na Vulgata. Por essa época surgiu no Brasil (infelizmente, sem indicação de data) a Lei de Moisés (Pentateuco), edição bilíngue hebraico-português, preparada pelo rabino Meir Masiah Melamed.
O padre Huberto Rohden foi o primeiro católico a traduzir no Brasil O Novo Testamento diretamente do grego. Publicada pela instituição católica romana Cruzada Boa Esperança, em 1930, essa tradução, por estar baseada em textos considerados inferiores, sofreu severas críticas.

Traduções completas
Em 1902, as sociedades bíblicas, empenhadas na disseminação da Bíblia no Brasil, patrocinaram nova tradução da Bíblia para o português baseada em manuscritos melhores que os utilizados por Almeida. A comissão constituída para tal fim, composta de especialistas nas línguas originais e no vernáculo, entre eles o gramático Eduardo Carlos Pereira, fez uso de ortografia correta e vocabulário erudito. Publicado em 1917, esse trabalho ficou conhecido como Tradução brasileira. Apesar de ainda hoje apreciadíssima por grande número de leitores, essa Bíblia não conseguiu firmar-se no gosto do grande público.
Coube ao padre Matos Soares realizar a tradução mais popular da Bíblia entre os católicos, na atualidade. Publicada em 1930 e baseada na Vulgata, essa tradução possui notas entre parênteses defendendo os dogmas da Igreja Romana. Por esse motivo recebeu apoio papal em 1932.
A primeira revisão da Bíblia em português feita pela Trinitarian Bible Society [Sociedade Bíblica Trinitária] foi iniciada no dia 16 de maio de 1837. Essa decisão foi tomada seis anos após a formação da Sociedade. O primeiro projeto escolhido para a publicação da Bíblia, numa língua estrangeira pela Sociedade, foi o português. O rev. Thomas Boys, do Trinity College, Cambridge, foi encarregado de liderar o empreendimento. No ano de 1969, em São Paulo, foi fundada a Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil, com o objetivo de revisar e publicar a Bíblia de João Ferreira de Almeida como a “Edição corrigida e revisada fiel ao texto original”.
Em 1943, as Sociedades Bíblicas Unidas encomendaram a um grupo de hebraístas, helenistas e vernaculistas competentes uma revisão da tradução de Almeida. A comissão melhorou a linguagem, a grafia de nomes próprios e o estilo da Bíblia de Almeida.
Em 1948, organizou-se a Sociedade Bíblica do Brasil destinada a "Dar a Bíblia à Pátria". Essa entidade fez duas revisões no texto de Almeida, uma mais aprofundada, que deu origem à “Edição revista e atualizada no Brasil”, e uma menos profunda, que conservou o antigo nome Corrigida.
Em 1967, a Imprensa Bíblica Brasileira, criada em 1940, publicou a sua Edição revisada de Almeida, cotejada com os textos em hebraico e grego. Essa edição foi posteriormente reeditada com ligeiras modificações.
Mais recentemente, a Sociedade Bíblica do Brasil traduziu e publicou A Bíblia na linguagem de hoje (1988). O propósito básico dessa tradução tem sido o de apresentar o texto bíblico numa linguagem comum e corrente.
Em 1990, a Editora Vida publicou a sua Edição contemporânea da Bíblia de Almeida. Essa edição eliminou arcaísmos e ambiguidades do texto quase tricentenário de Almeida, e preservou, sempre que possível, as excelências do texto que lhe serviu de base.
Uma comissão constituída de especialistas em grego, hebraico, aramaico e português, coordenada pelo Rev. Luiz Sayão, trabalha em
uma nova tradução das Escrituras para a língua portuguesa, sob o patrocínio da Sociedade Bíblica Internacional, com o título “Nova Versão Internacional”(NVI), da qual já se publicou o Novo Testamento em 1993.
São também dignas de referência: a Bíblia traduzida pelos monges de Meredsous (1959); A Bíblia de Jerusalém, traduzida pela Escola Bíblica de Jerusalém (padres dominicanos) e editada no Brasil por Edições Paulinas em 1981, com notas, e a Edição Integral da Bíblia, trabalho de diversos tradutores sob a coordenação de Ludovico Garmus, editado pela Vozes e pelo Círculo do Livro, também com notas.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Aula 13 - A recuperação do texto da Bíblia


Embora não se tenham notícias da existência de autógrafos do Antigo e do Novo Testamento, existem numerosas cópias manuscritas e citações à disposição dos estudiosos da Bíblia, que os ajudam em seus esforços no sentido de recuperar o texto bíblico original. Em complementação às evidências que temos discutindo nas últimas aulas, dispomos também de outras evidências de apoio ao texto bíblico, provenientes de suas várias traduções. Esse assunto será discutido na próxima lição. No momento, nosso interesse é a questão do papel da crítica textual na restauração do próprio texto, e não a tradução desse texto nas inúmeras línguas.

O problema da crítica textual
O problema da crítica textual gira em torno de três questões básicas: genuinidade e confiabilidade, evidências de manuscritos e as variantes. Ainda que cada integrante desse assunto tenha sido mencionado repeti¬damente em nossas discussões anteriores, é necessário que se dê um tra¬tamento mais minucioso aos tópicos em questão.

A autenticidade e a confíabilidade
Autenticidade é o termo que se emprega na crítica textual em referência à verdade sobre a origem de um documento, ou seja, sua autoria. Como mostramos na aula anterior, a autenticidade é assunto que concerne primordialmente à Introdução Especial ao estudo da Bíblia, visto que se relaciona a questões como autoria do texto, data e destinatário dos livros bíblicos. A Introdução Geral está interessada em questões como inspiração, autoridade, canonicidade e confiabilidade dos livros da Bíblia. As perguntas a que a autenticidade responde são estas: "Esse documento realmente procede da fonte ou autor que se alega? É verdadeiramente obra do escritor a que se atribui?".

Confiabilidade refere-se à verdade dos fatos ou do conteúdo dos documentos da Bíblia. Trata primordialmente da integridade (fidedignidade) e da credibilidade (verdade) dos registros. Em suma, um livro pode ser autêntico sem ser confiável, se quem se professa escritor é verdadeiramente seu autor, ainda que o conteúdo não expresse a verdade. E mais: um livro pode ser confiável sem ser autêntico, caso seu conteúdo seja verdadeiro, mas o autor alegado não seja realmente quem o escreveu. Portanto, no estudo da Introdução Geral, o interesse está na integridade do texto, com base em sua credibilidade e autoridade. Presume-se que determinado livro bíblico, que recebeu autoridade divina e, por isso mesmo, credibilidade, tendo sido transmitido com integridade, possui automaticamente autenticidade. Se houver uma mentira no livro a respeito de sua origem ou autoria, de que forma se poderia crer em seu conteúdo?

As evidências dos manuscritos
Creio que será benéfico que se faça, neste momento, um resumo das evidências dos manuscritos, com respeito ao texto bíblico. Rever o assunto nos revelará a diferença básica de abordagem da crítica textual de cada Testamento.

O Antigo Testamento sobreviveu e chegou até nós em alguns manuscritos completos, a maioria dos quais data do século IX d.C. ou é de data posterior. Há, entretanto, abundantes razões para que acreditemos que essas cópias são boas. Várias evidências apoiam essa afirmação: 1) as poucas variantes existentes nos manuscritos massoréticos; 2) a harmonia quase literal existente entre a maior parte da LXX e o Texto massorético hebraico; 3) as regras escrupulosas dos escribas que copiavam os manuscritos; 4) a similaridade de passagens paralelas do Antigo Testamento; 5) a confirmação arqueológica de minúcias históricas do texto; 6) a concordância em grande parte com o Pentateuco samaritano; 7) os milhares de rnanuscritos Cairo Geneza e 8) a confirmação fenomenal do texto hebraico advinda das descobertas dos rolos do mar Morto.

O Novo Testamento. Seus manuscritos são numerosos, como também são numerosos os textos paralelos, com variantes. Conseqúentemente, faz-se necessária aciência chamada crítica textual, para que haja recuperação do texto original do Novo Testamento. Mais de 5.000 manuscritos gregos que datam do século IIi em diante dão testemunho do texto. Em contraposição ao Antigo Testamento, que conta apenas com uns poucos manuscritos bons, o Novo Testamento possui muitos manuscritos de qualidade inferior, i.e., que apresentam mais variantes.

As variantes
A multiplicidade de manuscritos produz número correspondente de
variantes. É que, quanto maior o número de manuscritos copiados, maiores eram as possibilidades de erros cometidos pelos copistas. Todavia,
em vez de constituir empecilho à tarefa de recuperação do texto bíblico
original, essa situação na verdade se torna extremamente benéfica.

As variantes do Antigo Testamento são relativamente raras, por diversas razões: 1) havia uma única tradição importante de manuscrito, pelo que o número total de erros é menor; 2) as cópias eram produzidas por escribas oficiais que trabalhavam seguindo regras rigorosas; 3) os massoretas sistematicamente destruíam todas as cópias em que se detectassem "erros" ou variantes. A descoberta dos rolos do mar Morto serviu de espantosa confirmação da fidelidade do Texto massorético, o que se comprova pelas conclusões de estudiosos do Antigo Testamento como Millar Burrows, em sua obra The Dead Sea Scrolls; R. Laird Harris, em Inspiration and canonicity of the Bible; Gleason L. Archer, Jr., A survey of Old Testament introduction e F. F. Bruce, Second thoughts on the Dead Sea Scrolls [Uma investigação mais aprofundada sobre os rolos do mar Morto]. Uma soma total dos testemunhos desses estudiosos é que existem tão poucas variantes entre o Texto massorético e o dos rolos do mar Morto, que esses confirmam a integridade daquele. Sempre que há divergências, os rolos do mar Morto tendem a dar apoio ao texto da Septuaginta (LXX).
Visto que o Texto massorético deriva de uma fonte singular, que fora padronizada por estudiosos judeus aproximadamente em 100 d.C., a descoberta de manuscritos anteriores a essa data esparge nova luz na história do texto do Antigo Testamento de antes dessa época. Além das três tradições textuais básicas do Antigo Testamento que já haviam sido reconhecidas (massorética, samaritana e grega), os rolos do mar Morto revelaram a existência de três outros tipos de textos: um protomassorético, um proto-Septuaginta e um proto-samaritano. As tentativas por traçar as linhas de relacionamento entre essas famílias de textos ainda se acham em fase embrionária; a situação exige estudos profundos e dedicação. Presentemente, o Texto massorético é considerado básico, visto que tanto o texto samaritano como a Septuaginta baseiam-se em traduções do texto hebraico. No entanto, os rolos do mar Morto mostram que existem passagens em que a Septuaginta traz o texto preferido. O problema básico é apurar a grandeza da diferença existente entre as tradições hebraica e grega.

As variantes do Novo Testamento. As variantes do Novo Testamento são muito mais abundantes do que as do Antigo, em vista do maior número de manuscritos e das numerosas cópias não-oficiais que foram feitas, de caráter particular. Cada vez que se descobre um manuscrito novo, aumenta o número bruto de variantes. Pode-se ver isso comparando-se o número aproximado de 30 000 variantes, segundo cálculo de John Mill, em 1707, às quase 150 000 computadas por F. H. A. Scrivener em 1874 e às mais de 200 000 recalculadas em nossos dias. Há certa ambiguidade em afirmar que há cerca de 200 000 variantes, visto que essas representam apenas cerca de 10 000 passagens do Novo Testamento. Se uma única palavra foi escrita erroneamente em 3.000 manuscritos diferentes, são contadas como 3.000 variantes. Uma vez entendido o processo de conta¬gem e se eliminem as variantes de ordem mecânica (ortográfica), as variantes mais importantes que permanecem são surpreendentemente poucas sob o aspecto numérico.
Para que se compreenda integralmente o significado das variantes nos textos paralelos e se apure a redação correta (a original), é necessário, primeiro, que se examine de que forma essas variantes se introduziram no texto bíblico. Embora esses princípios também se apliquem ao Antigo Testamento, são usados aqui apenas com referência ao Novo.
Em geral, os estudantes cuidadosos da crítica textual acreditam haver dois tipos de erros: os não-intencionais e os intencionais.
As alterações textuais não-intencionais de vários tipos surgem da imperfeição natural do ser humano. São numerosas e aparecem na transcrição dos textos.
Os erros da vista humana, por exemplo, resultam em vários tipos de variantes. Dentre esses, há os que resultam da divisão errônea de uma palavra, o que acaba por gerar novas palavras. Visto que os manuscritos originais não separavam as palavras entre si, mediante espaços, a divi¬são mental errônea de quem lia e copiava a palavra redundava em novo texto — errôneo. Vamos usar um exemplo em português:

[ENCONTREIMECOMAMADOCASTELOBRANCO]

Poderia significar:
[ENCONTREI-ME COM AMADO CASTELO BRANCO.]
ou
[ENCONTREI-ME COM AMA DO CASTELO BRANCO.].

A omissão de letras, de palavras e até de linhas inteiras do texto ocorria quando um olho astigmático pulava de um grupo de letras ou palavras a outro grupo semelhante. Esse erro em particular é causado por homoteleuto (finais semelhantes). Quando apenas uma letra está faltando, o erro se chama haplografia (grafia simples). Repetição é o erro oposto à omissão. Quan¬do a vista apanhasse a mesma letra ou palavra duas vezes, esse erro era chamado de ditografia. Foi a partir de um erro desse tipo, com alguns manuscritos chamados minúsculos, que surgiu o seguinte texto: "Qual quereis que vos solte? Barrabás, ou Jesus, chamado Cristo?" (Mt 27.17).
A transposição é a inversão de duas letras ou palavras, e tecnicamente se denomina metátese. Em 2Crônicas 3.4, a transposição de letras alterou as medidas do pátio do templo de Salomão para 120 côvados em vez de 20, como corretamente aparece na LXX. Outras confusões com letras, abreviaturas e inserções de escribas explicam os demais erros desses profissi¬onais da cópia. Esse é o caso sobretudo no que diz respeito às letras do hebraico, que também são usadas como números. Pode-se ver alguma confusão no Antigo Testamento, quando há divergêcia entre os números de passagens correspondentes. Veja-se, e.g., 40.000 em 1Reis 4.26 em oposição a 4.000 em 2Crônicas 9.25; os 42 anos em 2Crônicas 22.2, contra¬pondo-se à anotação certa de 22 anos em 2Reis 8.26, é erro que também se enquadra nessa categoria.
Os erros decorrentes da audição só ocorriam quando os manuscritos eram copiados por um escriba que ouvia o ditado de quem os lia. Isso explica por que alguns manuscritos (depois do século V d.C.) trazem kamelos (corda) em vez de kamêlos (camelo), em Mateus 19.24; kauthasomai (ele queima) em vez de kauchasomai (ele se gloria) em 1 Coríntios 13.3, e outras alterações semelhantes no texto do Novo Testamento.
Os erros de memória não são numerosos, mas por vezes um escriba se esquecia da palavra exata na passagem e a substituía por um sinônimo. É possível que se tenha deixado influenciar por uma passagem ou verdade paralela, como no caso de Efésios 5.9, talvez confundida com Galatas 5.22, mais a adição de Hebreus 9.22: "... não há remissão [de pecados]".
Os erros de julgamento em geral são atribuídos à má iluminação ambiental, ou à má visão do escriba que copiou o manuscrito. Às vezes, as notas marginais eram incorporadas ao texto nesses casos, ou tais erros seriam resultado da sonolência do escriba. Sem dúvida alguma, teríamos uma dessas causas na raiz da redação variante de João 5.4, de 2Coríntios 8.4,5 etc. Às vezes é difícil diferenciar o caso e dizer se determinada variante resultou de um julgamento errôneo, ou de mudanças doutrinárias intencionais. Sem dúvida 1João 5.8, João 7.53—8.11 e Atos 8.37 enquadram-se em uma dessas categorias.
Os erros de grafia são atribuídos a escribas que, graças a um estilo imperfeito ou a um acidente, escreviam de modo pouco definido ou impreciso, e assim cometeram erros posteriormente enquadrados como er¬ros de visão ou de julgamento. Em algumas ocasiões, por exemplo, o escriba poderia esquecer-se de inserir certo número ou palavra no texto que estava transcrevendo, como no caso da omissão de número em 1Samuel 13.1.
As mudanças intencionais explicam grande número de variantes, ainda que a vasta maioria seja atribuída a erros não-intencionais. Erros cometidos de propósito poderiam talvez ter sido motivados por boas inten¬ções, mas é certo que são alterações deliberadas do texto.
Entre os fatores que influíram na inserção de alterações deliberadas num texto bíblico estão as variantes gramaticais e linguísticas. Essas variantes ortográficas na grafia, na eufonia e no léxico repetem-se muito nos papiros; cada tradição escribal tinha idiossincrasias próprias. Dentro dessas tradições, o escriba poderia tender a modificar seus manuscritos, a fim de fazer que se conformassem com as tradições. As mudanças, nesse caso, incluíam nomes próprios, formas verbais, acertos gramaticais, mudanças de gênero e alterações sintáticas.
As mudanças litúrgicas encontram-se em grande número nos lecionários. Seriam feitas pequenas alterações no início de uma passagem; às vezes, uma passagem grande era resumida só para uso no culto. Às vezes, uma mudança desse tipo passava a incorporar o próprio texto bíblico, como foi o caso da “doxologia"(Fórmula litúrgica de louvor a Deus) na oração dominical (Mt 6.13). As mudanças harmonizacionais aparecem com frequência nos evangelhos, quando o escriba tentou harmonizar um relato num documento com passagem correspondente de outro documento (v. Lc 11.2-4 e Mt 6.9-13), ou em Atos 9.5,6, que se alterou a fim de ficar mais em acordo literal com Atos 26.14,15. Do mesmo modo, algumas citações do Antigo Testamento foram ampliadas, em alguns documentos, para se harmonizarem com maior precisão à LXX (cf. Mt 15.8 com Is 29.13, em que a expressão este povo foi acrescentada). As mudanças históricas e factuais às vezes eram introduzidas por escribas bem-intencionados. João 19.14 foi alterado em alguns manuscritos, de modo que neles se lê hora “terceira" em vez de “sexta", e Marcos 8.31, em que "depois de três dias" foi alterado para "no terceiro dia", em alguns manuscritos. As mudanças sincréticas resultam da combinação ou da mistura de duas ou mais variantes, de modo que se cria um único texto, como provavelmente é o caso de Marcos 9.49 e Romanos 3.22.
As mudanças doutrinárias constituem a última categoria de alterações propositais dos escribas. A maior parte das alterações doutrinárias deliberadas foram introduzidas com vistas na ortodoxia, como a referência à Trindade, em 1 João 5.7,8. Outras alterações, ainda que surgidas por cau¬sa das boas intenções, têm tido o efeito de acrescentar ao texto algo que não fazia parte do ensino original naquela altura. Talvez seja esse o caso da adição de "jejum" à palavra "oração" em Marcos 9.29, e do chamado "final mais longo" desse mesmo evangelho (Mc 16.9-20). Todavia, nem mesmo aqui o texto é herético. É importante que se ressalte, nesta altura, que nenhuma doutrina cristã baseia-se num texto sob objeção, e todo estudioso do Novo Testamento precisa estar consciente da iniquidade que é alterar um texto simplesmente com base em considerações doutrinárias infundadas.
Quando se comparam os textos chamados variantes, do Novo Testamento, com outros textos de outros livros que sobreviveram desde a antiguidade, as conclusões são maravilhosas; pouco falta para que as consideremos espantosas. Por exemplo, embora haja cerca de 200 000 "erros" nos manuscritos do Novo Testamento, eles só aparecem em cerca de 10 000 trechos, e apenas cerca de uma sexagésima parte deles ergue-se acima do nível das trivialidades. Westcott e Hort, Ezra Abbot, Philip Schaff e A. T. Robertson avaliaram com o máximo cuidado as evidências e che¬garam à conclusão de que o texto do Novo Testamento tem pureza superior a 99%. À luz do fato de haver mais de 5.000 manuscrítos gregos, cerca de 9.000 versões e traduções, as evidências da integridade do Novo Testamento estão fora de questão.
Isso é válido, sobretudo, quando consideramos que alguns dos maiores textos da antiguidade sobreviveram em apenas um punhado de manuscritos. Quando se compara a natureza, ou a qualidade, desses escritos com os manuscritos bíblicos, estes ficam em posição audaciosamente saliente no que concerne à integridade. Bruce M. Metzger fez um excelente estudo da Ilíada, de Homero, e da Mahãbhãrata da índia, em sua obra Chapters in the history of New Testament textual criticism [Capítulos da história da crítica textual do Novo Testamento]. Em seu estudo, o autor demonstra que a corrupção textual desses livros ditos “sagrados” é muito maior do que a que acometeu o Novo Testamento. A Ilíada é particularmente cabível para esse estudo, por ter tanta coisa em comum com o Novo Testamento. Depois do Novo Testamento, a Ilíada é a obra que tem o maior número de manuscritos disponíveis hoje, mais que qualquer outra obra (453 papiros, 2 unciais e 188 minúsculos, ou seja, 643 no total). À semelhança da Bíblia, essa obra foi considerada sagrada, sofrendo mudanças textuais, e seus manuscritos em grego também passaram pela crítica textual. Enquanto o Novo Testamento apresenta cerca de 20 000 linhas, a Ilíada tem cerca de 15 000. Apenas 40 linhas (cerca de 400 palavras) do Novo Testamento inspiram dúvidas, mas 764 linhas da Ilíada estão sob questionamento. Portanto, 5% da Ilíada sofreram corrupção, contra menos de 1% do Novo Testamento. O poema épico nacional da índia, Mahãbhãrata, sofreu um processo mais grave ainda de corrupção. É cerca de oito vezes maior que a Ilíada e a Odisseia juntas, com cerca de 250 000 linhas. Dessas, cerca de 26 000 linhas estão corrompidas textualmente, i.e., pouco mais de 10%.
Assim é que o Novo Testamento não só sobreviveu em um número maior de manuscritos, mais que qualquer outro livro da antiguidade, mas sobreviveu em forma muito mais pura (99% de pureza) que qual¬quer outra obra grandiosa, sagrada ou não. Até mesmo o Alcorão, que não é livro antigo, pois originou-se no século VII d.C., sofreu o processo de aparecimento de grande número de variantes que precisaram da revisão de Orthman. De fato, ainda existem sete modos de ler o texto (vocalização e pontuação), todas baseadas na revisão de Orthman, que se fez cerca de vinte anos após a morte do próprio Maomé.

Os princípios da crítica textual
A apreciação completa da tarefa árdua de reconstruir o texto do Novo Testamento a partir de milhares de manuscritos, com dezenas de milhares de variantes, pode dar-se, em parte, pelo estudo de quantos críticos textuais se engajaram nesse trabalho. Esses usaram dois tipos de evidên¬cias: as externas e as internas.

Evidência externa
A evidência externa distribui-se em três variedades básicas: cronológica, geográfica e genealógica. As evidências cronológicas dizem respeito à data do tipo de texto, e não à data do próprio manuscrito. Os tipos de texto mais antigos trazem textos que devem ser preferidos, em vez de textos posteriores, mais recentes. A distribuição geográfica dos testemunhos independentes em acordo entre si, no apoio a uma variante devem ser preferidos aos testemunhos que têm proximidade ou relacionamento maior. Os relacionamentos genealógicos entre os manuscritos seguem o que foi tratado na aula anterior. Das quatro famílias textuais mais importantes, a alexandrina é considerada a família mais confiável, ainda que às vezes apresente uma correção dos "estudiosos". Os textos que contam com o apoio de bons representantes de dois ou mais tipos de textos de¬vem ter preferência sobre um único tipo de texto. O texto bizantino em geral é considerado o mais pobre de todos. Quando os manuscritos que se encaixam em determinado tipo de texto dividem-se no apoio que dão a determinada variante, o verdadeiro texto provavelmente é o dos manuscritos que em geral se mostram mais fiéis a seu próprio tipo de texto; o texto que difere dos demais tipos de texto, o texto que é diferente da família textual bizantina, ou o texto que caracteriza melhor o tipo de texto a que pertencem os manuscritos em questão.

Evidência interna
A evidência interna classifica-se em duas variedades básicas: a transcripcional (que depende dos hábitos dos escribas) e a intrínseca (que depende dos hábitos dos autores). A evidência transcripcional baseia-se em quatro assertivas genéricas: o texto mais difícil (para o escriba) é preferível, de modo especial se for sensato; o texto mais curto é preferível, a menos que tenha surgido por omissão acidental de algumas linhas, em razão de finais semelhantes ou de eliminação intencional; deve-se preferir o texto verbalmente mais dissonante das passagens paralelas, ainda que sejam citações do Antigo Testamento; e deve-se preferir a construção gramatical, expressão ou termo menos refinados.
A evidência intrínseca depende da probabilidade daquilo que o autor provavelmente escreveu. É determinada pelo estilo do autor ao longo do livro (e em outras passagens), pelo contexto imediato da passagem, pela harmonia do texto com o ensino do autor em outra passagem (bem como com outros textos canônicos) e pela influência do contexto geral do autor.
Ao examinar todos os fatores internos e externos da crítica textual, é essencial que se perceba que seu uso não é meramente uma aplicação da ciência, mas também de uma arte delicada. Algumas observações podem ajudar o iniciante a ficar familiarizado com o processo da crítica textual. Em geral, a evidência externa é mais importante que a interna, visto ser mais objetiva. As decisões devem levar em conta a evidência interna tanto quanto a externa, na avaliação do texto, visto que nenhum manuscrito ou tipo de texto contém todas as grafias corretas. Em algumas ocasiões, diferentes estudiosos aparecerão com posições conflitante entre si, à vista dos elementos subjetivos da evidência interna.
Gleason Archer sugere, muito cautelosamente, as prioridades que deveriam ser empregadas no caso de encontrar-se uma variante textual 1) deve-se preferir o texto mais antigo; 2) deve-se preterir o texto mais difícil; 3) deve-se preferir o texto mais curto; 4) deve-se preferir o texto que explique melhor as variantes; 5) o apoio geográfico mais amplo dado a um texto faz que ele seja o preferido; 6) deve-se preferir o texto que se conforme melhor com o estilo e com o vocabulário do autor e 7) deve-se preferir o texto que não dê sinais de desvio doutrinário.

A prática da crítica textual
O modo mais prático de observar os resultados dos princípios da críti¬ca textual é comparar as diferenças entre a Versão autorizada do rei Tiago .(KJV), de 1611, baseada no texto recebido, e a Versão padrão americana (ASV)/ de 1901, ou a Versão padrão revisada (RSV), de 1946 e 1952, que se baseiam no texto crítico. Uma pesquisa de várias passagens servirá para ilustrar o procedimento usado para fazer a reconstituição do verdadeiro texto.

Exemplos do Antigo Testamento
Deuteronômio 32.8 provê outro exercício interessante sobre a crítica textual do Antigo Testamento. O Texto massorético é acompanhado pelo texto do rei Tiago (KJV) e pela ASV, ao dizer: "O Altíssimo distribuiu as heranças às nações [...] determinou os limites dos povos, segundo o número dos filhos de Israel". A RSV seguiu o texto da LXX: "de acordo com o número dos filhos [ou anjos] de Deus". Um fragmento de Qumran dá apoio ao texto da LXX. Segundo os princípios da crítica textual que mostramos anteriormente, a RSV está correta porque 1) traz o texto mais difícil, 2) tem o apoio do manuscrito mais novo que se conhece, 3) está em harmonia com a descrição patriarcal de os anjos serem "filhos de Deus" (cf. Jó 1.6; 2.1; 38.7 e possivelmente Gn 6.4) e 4) explica a origem da outra variante.

Zacarias 12.10 ilustra a mesma questão. As versões KJV e ASV seguem o Texto massorético: "Olharão para mim [o lavé], a quem trespassaram". A RSV segue a Versão teodosiana (c. 180 d. C.) ao traduzir: "Quando olharem aquele a quem trespassaram". O Texto massorético preserva a redação preferida porque 1) baseia-se em manuscritos mais antigos e melhores, 2) é o texto mais difícil e 3) pode explicar as demais redações com base no preconceito teológico contra a divindade de Cristo, ou pela influência da mudança ocorrida no Novo Testamento da primeira para a terceira pessoa, na citação dessa passagem (cf. Jo 19.37).
Outras variantes importantes entre o Texto massorético e a LXX foram esclarecidas mediante a descoberta dos rolos do mar Morto; nesses exemplos, tendem a dar apoio à LXX. Dentre tais passagens estão Hebreus 1.6 (KJV), que segue a citação de Deuteronômio 32.43, a famosa passagem de Isaías 7.14 ("e será o seu nome Emanuel"), em vez da redação massorética: "ela chamará seu nome". A Septuaginta traz uma versão de Jeremias com 60 versículos a menos em relação ao Texto massorético, e o fragmento de Qumran de Jeremias tende a apoiar o texto grego. Tais ilustrações não devem ser tomadas como quadro uniforme dos rolos do mar Morto, sempre dando apoio ao texto da Septuaginta, visto que não existem muitas variantes do Texto massorético entre os manuscritos encontrados nas grutas do mar Morto. Em geral os rolos tendem a confirmar a integridade do Texto massorético. As passagens indicadas aqui são meros exemplos dos problemas e dos princípios da crítica textual, no exercício dos estudiosos de expurgar o texto do Antigo Testamento de eventuais incorreções.

Exemplos do Novo Testamento
Marcos 16.9-20 (KJV) apresenta-nos o problema textual mais grave, que nos deixa mais perplexos, dentre todos. Esses versículos estão ausentes em muitos dos mais antigos e melhores manuscritos, como o א(Álefe), o B, o itk (Antiga latina), a Siríaca sinaítica, muitos manuscritos armênios e al¬guns etíopes. Muitos dos antigos pais da igreja não demonstram ter conhecimento desse problema, e Jerônimo admitia que essa passagem havia sido omitida em quase todas as cópias gregas. Dentre as cópias que con¬têm esses versículos, algumas também trazem um asterisco ou óbelo, a fim de indicar que se trata de adição espúria ao texto. Há ainda outro final que ocorre em vários unciais, em alguns minúsculos e em cópias de ver¬sões antigas. O longo final com que estamos tão familiarizados, vindo da KJV e do texto recebido, encontra-se em grande número de unciais (c, D, L, w e θ [Theta], na maior parte dos minúsculos, na maior parte dos manuscritos da Antiga latina, na Vulgata latina e em alguns manuscritos siríacos e coptas. No Códice w, o final longo expande-se depois do versículo 14.
A decisão sobre qual desses finais é o preferível ainda é controvertida, visto que nenhum dos finais propostos eleva-se como se fora o original, à vista das poucas evidências textuais, por causa do sabor apócrifo e do estilo diferente do de Marcos, perceptível em todos os finais. Assirn, se nenhum desses finais é autêntico, torna-se difícil crer que Marcos 16.8 não é o final original. John W. Burgon fez uma defesa do texto recebido (vv. 9-20) e, mais recentemente, M. van der Valk, ainda que se admita que é muito difícil chegar a uma solução ou decisão sobre qual final é o original de Marcos. Com base nas evidências textuais conhecidas, parece mais plausível admitir que o final original do evangelho de Marcos é o versículo 8.

João 7.53 - 8.11 (KJV) relata a história da mulher apanhada em adultério. Está inserida entre parênteses na ASV, com uma nota que diz que os manuscritos mais antigos omitem essa passagem. A RSV coloca a passagem em questão entre parênteses, no final do evangelho de João, com uma nota que diz que as antigas autoridades colocavam-na ali, ou depois de Lucas 21.38. Não existe nenhuma evidência de que essa passagem faça parte do evangelho de João porque 1) não está nos manuscritos gregos mais antigos e melhores; 2) nem Taciano, nem o texto da Antiga siríaca, dão sinais de tê-la conhecido, estando ausente também nos melhores manuscritos da Siríaca peshita, nos da Copta, em vários da Gótica e da Antiga latina; 3) nenhum autor grego faz referência a essa passagem senão no século XII; 4) seu estilo — e interrupção — não se enquadram no contexto do quarto evangelho; 5) aparece inicialmente no Códide Beza em c. 550; 6) vários escribas colocam-na em outros lugares (e.g., depois de Jo 7.36; Jo 21.24; Jo 7.44 ou Lc 21.38) e 7) muitos manuscritos que incluem essa passagem indicam haver dúvidas sobre sua integridade, marcando-a com um óbelo. O resultado é que tal passagem pode ser preservada como se fora uma história verdadeira, mas da perspectiva da crítica textual, deve ser colocada como apêndice de João, com uma nota que diga que a passagem não tem lugar determinado nos manuscritos antigos.

1 João 5.7 (KJV) está ausente na ASV e na RSV, sem explicações. Todavia, existe uma explicação para essa omissão, a qual representa uma historieta interessante sobre o processo da crítica textual. Quase não existe apoio textual para a redação apresentada pela KJV, em nenhum documento grego, ainda que haja apoio na Vulgata. Então, quando Erasmo foi desafiado, e lhe perguntaram por que ele não incluíra essa passagem em seu Novo Testamento grego, em 1516 e em 1519, o estudioso respondeu rapidamente que a incluiria na próxima edição, desde que alguém lhe mostrasse pelo menos um manuscrito antigo que lhe desse apoio. Descobriu-se um minúsculo grego do século XVI, o manuscrito de 1520, do frei franciscano Froy, ou Roy. Erasmo cumpriu sua promessa e incluiu esse texto em sua edição de 1522. A KJV seguiu o texto grego de Erasmo e assim foi: com base num único manuscrito tardio, insignificante, desprezou-se todo o peso e autoridade de todos os demais manuscritos gregos. Na verdade, a inclusão desse versículo como genuíno quebra quase todos os cânones principais da crítica textual.
Com base nos casos acima estudados, deveria ficar claro que a crítica textual é uma ciência e também uma arte. Não basta afirmar que a Bíblia é o livro mais bem preservado, que sobreviveu desde os tempos antigos, mas lembremo-nos também de que as variantes de certa importância representam menos da metade de 1% de corrupção textual, e que nenhuma dessas variantes influi em alguma doutrina básica do cristíanismo. Alem disso, a crítica textual tem à sua disposição uma série de cânones que, para todos os efeitos práticos, capacita os estudiosos bíblico a recuperar de modo completo o texto exato dos autógrafos hebraicos e gregos das Escrituras - não só linha por linha, mas palavra por palavra.
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Quem sou eu

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Sou pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, mestrando em Divindade (Magister Divinity), pelo CPAJ (Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper). Sou também professor de História da Igreja, de Introdução Bíblica, e Cartas Gerais, na Escola Teológica Rev. Celso Lopes, em Maceió AL. Além disso, sou coronel-aviador da Força Aérea Brasileira, já reformado.

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